A semana mais curta ainda deixou no ar incertezas quanto ao arcabouço fiscal, que só será apresentado formalmente após a Páscoa. Uma das dúvidas é quanto ao necessário reforço de arrecadação. Embora até se concorde com taxação de setores que não têm regulamentação específica, como apostas online e plataformas internacionais de varejo, o cumprimento das novas regras vai depender de um aumento da receita entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. Condições que, por sua vez, vão depender do Congresso. Além disso prossegue o questionamento pelo fato de o arcabouço não prever corte de gastos e ter metas ambiciosas de ajuste das contas. Ainda que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tenha declarado uma avaliação superpositiva do arcabouço, a implementação gera muitas dúvidas.
Mas não é só a questão fiscal que traz incertezas. Em relação ao próprio BC persistem desconfianças quanto aos efeitos de toda pressão pelo corte dos juros e possíveis propostas para uma revisão das metas inflacionárias, num contexto em que as projeções seguem em alta, sem qualquer indicação de convergência para as metas. Para que se possa contar, tecnicamente, com o início do corte dos juros é importante que haja sinais mais concretos dos efeitos do arcabouço, inclusive, de aprovação no Congresso das novas regras e das propostas tributárias, além de perspectivas mais favoráveis para a inflação.
E prosseguem os ruídos em outros aspectos da gestão da economia. As declarações de Roberto Campos Neto, favoráveis ao arcabouço, assim como dados menos robustos da geração de emprego nos Estados Unidos, com consequente alívio das expectativas quando ao ajuste dos juros, até poderiam reduzir os temores do mercado. Mas aí vem o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, falando em mudanças na política de preços da Petrobras, trazendo mais ruídos. A estatal desmentiu qualquer proposta que tenha sido encaminhada pelo Ministério, mas o estrago foi feito. A iniciativa de falar em alterações da política partiu do governo, ou seja, do acionista controlador da empresa e se sabe do “desconforto” que o presidente Lula tem manifestado com a manutenção da paridade dos preços domésticos dos combustíveis com os praticados no exterior. Portanto, fica no radar o risco de alguma proposta efetiva de mudança na política de preços. Alexandre Silveira chegou a projetar o impacto sobre o preço do diesel e a da gasolina, o que revela que estudos estão sendo feitos a respeito.
Enfim, o arcabouço pode ser um avanço quanto à definição da política fiscal do governo, mas ainda há muita indefinição em outras áreas, como no que se refere às estatais, o impacto das mudanças feitas no marco do saneamento, juros, meta fiscal, atuação do BNDES e mesmo em relação à reforma tributária. Embora as indicações sejam de algo no sentido da PEC 45, já em tramitação, até pela participação de um dos formuladores da proposta, Bernard Appy, na equipe econômica.
Por outro lado, restam dúvidas do lado político. O governo tem enfrentado claras dificuldades para formar a base de apoio, apesar da concessão de cargos e até Ministérios. Entregou, mas sem qualquer garantia de retorno em votos, até para matérias relevantes. Não tem conseguido avançar sequer com as MPs, cujo modelo de tramitação ainda é alvo de disputa entre o presidente da Câmara, Arthur Lyra, e o do Senado, Rodrigo Pacheco.
O mercado pode até encontrar brechas para um desempenho melhor, como os patamares de baixa testados pelo dólar. Mas a imprevisibilidade continua muito presente nesses quase cem dias de governo que, rompendo a tradição, não têm tido nada de lua de mel. Ao contrário, estreou com uma tentativa de golpe, sucessivas crises, como dos yanomamis, indefinições na política econômica e no cenário político.