A tensão nos mercados internacionais de commodities e de energia segue crescendo devido às ameaças de uma invasão russa à Ucrânia. A estimativa é que a Rússia tem cerca de 100 mil soldados estacionados na fronteira, e que mandou tropas para outro país vizinho, a Bielorrússia, para “exercícios militares conjuntos”.
Para entender por que há algo tão arcaico quanto movimentações de tropas e ameaças de invasão em com quase um quarto do Século XXI transcorrido, é preciso voltar mais de 30 anos no passado. Mais exatamente ao princípio dos anos 1990, com o fim da União Soviética (URSS).
Como seu próprio nome indicava, a URSS era um aglomerado de 15 repúblicas. A maior delas era a Rússia. Com 41 milhões de pessoas, a Ucrânia era um dos integrantes mais populosos da União, e sempre foi estratégico. Tem terras férteis e um clima relativamente ameno naquela imensidão gelada, o que o transforma em um dos principais produtores de grãos da região.
Com o fim da União Soviética, a Ucrânia se aproximou dos países do Ocidente. E, nos últimos tempos, está se preparando para integrar a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Sim, ela ainda existe, e mantém a mesma função para a qual foi desenhada, na metade do século passado: manter-se de prontidão para o caso de algum líder soviético (ou, atualmente, russo) exagerar na vodca e resolver invadir a Europa.
A Ucrânia percebeu que ganha mais se vender comida e gás natural para os países europeus, o que desagrada Moscou. Para complicar ainda mais o quadro, pouco mais de 17% de sua população consiste dos chamados russos étnicos – filhos de imigrantes russos que nasceram na Ucrânia, mas são cultural e politicamente ligados à Rússia. Há cerca de oito anos, em março de 2014, a Rússia invadiu a península da Crimeia, que tinha maioria de população russa, e literalmente tomou o território da Ucrânia.
Esse é o cenário. Vamos agora ao principal ator do drama. Vladimir Putin, presidente da Rússia, está no poder há quase duas décadas e não dá sinais de querer deixar o cargo. Para manter seu prestígio, além de controlar rigidamente a imprensa e dar pouco espaço à oposição, ele já indicou que pretende fazer a Rússia voltar aos velhos tempos soviéticos. Não estatizando a economia, mas ampliando sua influência global.
Para impedir o pior, os diplomatas da Otan estão tentando contornar a crise. O problema é que Putin, diferentemente das lideranças ocidentais, tem a liberdade dos autocratas. Ou seja, o líder russo não precisa prestar contas aos demais poderes, como o Parlamento e o Judiciário, nem temer que uma atuação desastrada impeça sua reeleição.
E não se sabe muito bem o que Putin quer ou vai fazer. Como a imprensa é controlada pelo Estado, ele pode perfeitamente fazer os soldados andarem de um lado para o outro sem cruzar a fronteira e depois retornarem, contando como ganharam a guerra. Porém, ele também pode mandar suas tropas marcharem até Kiev, capital ucraniana, gerando uma instabilidade enorme na região.
Tudo bem, mas por que estamos falando disso? Porque essa indefinição toda vem provocando os solavancos mais importantes em mercados estratégicos como os de energia e de commodities.
Só para ficarmos na energia: o projeto de um gasoduto importante, o Nord Stream 2, que poderá transportar um total de 55 bilhões de metros cúbicos de gás russo para a Europa, atravessando Rússia e Ucrânia. A crise impediu o começo das operações, e uma piora da situação pode afetar o fornecimento de energia à Europa – Putin frequentemente usa cortes no fornecimento para sublinhar seus argumentos. Além disso, a Ucrânia é um produtor importante de milho e de trigo, e uma eventual anexação por parte de Moscou também pode comprometer o fornecimento para os mercados globais, pressionando os preços da commodities e a inflação ao redor do mundo.
Todas as crises têm um ponto em comum, que é a capacidade de influenciar as condições de mercado por inserir um componente de incerteza. No caso da mais recente, a incerteza é elevada pois o comportamento dos participantes é imprevisível.
De um lado, a Rússia não terá muitos pruridos em fazer suas tropas cruzarem a fronteira. De outro, as nações ocidentais – a começar pelos Estados Unidos – não têm uma estratégia única para lidar com o problema. Daí a flutuação das cotações, que deve prosseguir enquanto não houver uma definição.
E Eu Com Isso?
O mercado americano inicia a terça-feira com uma forte baixa. Os contratos futuros do índice S&P 500 recuam mais de 1%. Além da tensão geopolítica da Rússia, inicia-se hoje a reunião do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, que poderá resultar em um endurecimento da política monetária americana mais intenso do que o esperado. Por aqui, os contratos futuros do Ibovespa também iniciam o dia em baixa, apesar de não tão acentuada quanto a registrada em Wall Street.
As notícias são negativas para a Bolsa.
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