Semana após semana, o clima de incerteza só aumenta. A novela da PEC dos Precatórios se arrasta, dando margem para o surgimento de novas propostas que contrariam a responsabilidade fiscal. A PEC já abriu a porta para a quebra de regras importantes, desde o compromisso com o pagamento de sentenças judiciais até a mudança no período de referência da inflação para o ajuste do teto de gastos. Teve a justificativa da necessidade de buscar condições de financiamento para o Auxílio Brasil. Passou na Câmara, até com apoio do mercado, por este ver um limite para a ampliação de gastos. O alívio durou pouco.
No Senado, como se esperava, a resistência é maior. Tenta-se garantir o pagamento dos precatórios com a possibilidade de eles ficarem de fora do teto, o que seria mais uma lamentável manobra contábil que vai contra a responsabilidade fiscal, mesmo que se queira vincular a sobra orçamentária ao programa social e evitar o calote. Fora isso, há outras pressões por gastos, inclusive as emendas de parlamentares e comissões, apesar do posicionamento contrário do STF aos do relator, que constituem o chamado orçamento secreto. Até ministro foi exonerado temporariamente para tratar do assunto no orçamento do próximo ano, sem se descartar a liberação de mais recursos partidários. O próprio governo lançou novas despesas. Em mais uma iniciativa populista e para aumentar a pressão pela aprovação da PEC, fala em reajuste de servidores, de policiais, também com as “sobras” orçamentárias. É aguardar o que, efetivamente, será colocado em votação no Senado, se não terá de voltar para a Câmara, se não haverá mesmo um plano B. O Auxílio Brasil já começou a ser pago, mas com valor ainda bem inferior aos R$ 400,00 que se pretende colocar como piso.
Mas as incertezas não são apenas fiscais. Ainda tem a inflação e a piora dos indicadores de atividade, que já fizeram o IBCBr, a prévia do PIB do Banco Central, registrar uma recessão técnica, com dois trimestres seguidos de retração, o que reforça as perspectivas de um fim de ano mais fraco, com as projeções para 2022 ainda sendo revistas para pior. A inflação persistente, por outro lado, pode levar a ajustes mais fortes da Selic em relação ao aumento da dosagem já implementado pelo Copom. Ficam dúvidas nesse sentido, exatamente, pela perda de ritmo da economia. Mas a possibilidade existe, na medida em que a inflação também compromete a expansão do consumo e da atividade.
Em meio a tudo isso, ainda vêm as incertezas de fora, com os bancos centrais também começando a ajustar as políticas diante de uma inflação que já não parece tão transitória como se imaginava. Esse movimento pode levar a um maior desvio de recursos para mercados favorecidos por elevações dos juros. A principal expectativa é quanto aos futuros passos do Federal Reserve, nos Estados Unidos. E o mercado local, já pressionado por todos esses fatores, ainda convive com o risco de as bolsas no exterior também entrarem em uma fase de correção. Não sem motivo, temos a Bolsa aqui testando mínimas, o dólar persistentemente mais alto e a curva de juros pressionada, com uma dispersão que há muito tempo não se via nas projeções das instituições financeiras.
Enquanto isso o governo, a própria equipe econômica, além de admitir a flexibilização de importantes regras fiscais, no embalo dos interesses políticos, já começar a flertar até com intervencionismos para conter algumas pressões de preços. Sem um plano de ação mais concreto, a equipe de Guedes segue dividida entre reconhecer as dificuldades e agir com responsabilidade ou tentar sustentar o otimismo, ressaltando avanços regulatórios, que até estão ocorrendo, mas cujos efeitos ficam comprometidos pelo cenário nebuloso.
O Brasil, na verdade, voltar a conviver com ameaças que pareciam superadas, como a inflação e os juros em dois dígitos, retração da atividade e desequilíbrio fiscal.
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