O mercado financeiro melhorou a projeção para o resultado primário do governo em 2022. Pela primeira vez se conta com um saldo positivo, de R$ 4,6 bilhões, segundo o relatório Prisma Fiscal divulgado pelo Ministério da Economia nesta semana. Em julho a previsão era de um déficit de R$ 20 bilhões. Seria o primeiro superávit em nove anos. E a previsão para a dívida pública caiu para 79% do PIB. Por aí parece haver um otimismo maior quanto à evolução do quadro fiscal. Mas não é bem assim. Também nesta semana, o Banco Central revelou que o questionário enviado aos analistas do mercado, antes da reunião do Copom, apontou que para 93% a situação fiscal piorou. Como assim? Melhorou ou piorou?
Pois bem, melhorou na fotografia, mas não no arcabouço e nas expectativas em prazo maior. A melhora vem de recordes de arrecadação, com a retomada das atividades, pós restrições da pandemia, pelo impacto inflacionário e o aumento da receita relacionada à alta dos preços das commodities. Já do lado dos gastos, independentemente dos cortes e contingenciamentos no orçamento, foram implementadas manobras preocupantes, que explicam, em parte, a percepção de piora.
A PEC das Bondades, com aumento do Auxílio Brasil, voucher caminhoneiros, taxistas, vale gás, tem custo estimado em R$ 41,25 bilhões e está sendo implementada por fora do teto de gastos. Mais uma mexida no teto posta em prática pelo governo, para fugir da limitação legal de ampliação de gastos. Ainda impôs o corte do ICMS aos Estados, que brigam na Justiça pela compensação de perdas. Impostos federais também tiveram cortes, desonerações foram concedidas, para ajudar a derrubar preços. E antes dessas medidas urgentes, próximas às eleições, já houve outros dribles do teto e até o “calote” de precatórios, com a decisão unilateral de postergar o pagamento de dívidas determinado por decisões judiciais.
Todas essas manobras trazem maior insegurança quanto à real evolução das contas públicas, sendo que os sucessivos cortes orçamentários também contradizem o quadro de maior folga, supostamente assegurado pelos recordes de arrecadação.
Além dessas questões, fica a preocupação quanto ao que pode ocorrer a partir de 2023. Sem essa preocupação, a equipe econômica não estaria discutindo fórmulas alternativas para o teto de gastos, como colocar metas para a dívida pública como referência, semelhante ao que ocorre com a inflação, além de outras possibilidades.
A LDO de 2023 já assinada e publicada, ainda sujeita à revisão pelo Congresso, prevê um déficit de R$ 65,9 bilhões, sem contemplar reajustes para o funcionalismo, inclusive policiais, que deverão estar em pauta, mas mantém R$ 19,4 bilhões para as chamadas emendas de relator. Um orçamento secreto, que facilita negociações prioritárias, mas exige adequações de verbas nas várias áreas de governo.
Também está em aberto o que vai acontecer com o Auxílio Brasil, cujo valor de R$ 600,00 só vale até a virada do ano. A manutenção em 2023 vai depender de vontade política e de abertura de espaço no orçamento. Se mantido o aumento, se reduziria as despesas discricionárias para apenas R$ 70 bilhões, inviabilizando o custeio de muitas atividades.
Vale observar, ainda, que o atual quadro de polarização eleitoral reforça as preocupações fiscais na medida em que tanto Lula como Bolsonaro têm demonstrado insatisfação com o teto de gastos, falam em responsabilidade fiscal, para não desagradar parte do eleitorado, empresários e o mercado, mas sem esclarecer muito qual o programa a ser implementado na gestão das finanças.
Enfim, por mais que as contas públicas fechem este ano com resultados muito melhores que os esperados, o retrato esconde enormes incertezas. E incertezas que interferem nas perspectivas para inflação, juros, câmbio e até nas decisões de investimentos. Difícil garantir estabilidade econômica com desequilíbrio fiscal.