Uma no cravo outra na ferradura. O novo governo não tem conseguido colaborar para um movimento favorável mais prolongado do mercado. Até criou algumas expectativas mais positivas, como as sinalizações de urgência no avanço da Reforma Tributária e a possibilidade, como afirmou o ministro Haddad, em Davos, de o novo arcabouço fiscal sair até abril. Ainda tem a preocupação com revisão de contratos: teve o pacote de medidas de aumento da receita de tributos que, apesar de não ter o formato mais adequado para o ajuste das finanças, com mais foco no corte de gastos, melhora as projeções quanto ao saldo fiscal deste ano.
Só que, por outro lado, muitas falas aumentando demais a incerteza quanto à efetiva gestão da política econômica, não apenas no que se refere às finanças. Lula já criticou o teto de gastos, a preocupação com responsabilidade fiscal em detrimento de gastos sociais, ou áreas prioritárias, como saúde e educação, sinalizou mudanças na lei das estatais e agora vieram as críticas à inflação e aos juros, além de questionar as vantagens do Banco Central independente. Sendo que nesta semana, em encontro com sindicalistas, apesar de Lula ter ressaltado as dificuldades para cumprir as promessas de campanha pela questão orçamentária, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, indicou que o valor do salário mínimo, em princípio fixado em R$ 1302,00, pode subir a partir de maio para os R$ 1320,00, aprovado pelo Senado. Isso representaria gastos anualizados, segundo cálculos preliminares, de mais de R$ 17 bilhões. Mais aumento das despesa.
O mercado até tem tido reações contidas, meio que dando um voto de confiança, mas esses posicionamentos aumentam a instabilidade do dólar, da curva de juros, e até da Bolsa, que ainda está digerindo possíveis efeitos da inconsistência contábil e do pedido de recuperação judicial da Americanas.
Especificamente quanto à fala sobre a independência do Banco Central, até não se acredita que o governo possa propor alteração na lei. A independência deve ser mantida. Só que o mandato de Roberto Campos Neto à frente da instituição acaba em dois anos. Depois haverá nova indicação. E novas metas de inflação serão definidas. Fica a preocupação com alguma intervenção no futuro, até definição de metas inflacionárias menos ambiciosas, que não exijam maior aperto dos juros como agora.
Tudo isso mexe com credibilidade, com preços de ativos, pode aumentar o custo da dívida pública, elevar o dólar, gerando mais pressões de preços, entre as consequências que já citei, além de deixar investidores em alerta, inclusive com risco de desvio de investimentos do mercado local.
Por mais que Lula já tenha dito que não se importa com as reações do mercado, essas reações podem ter impacto na economia real, que já tem previsões mais desfavoráveis, pelo menos, para este ano, com esperada expansão menor da atividade, até em função da manutenção de juros elevados pelo Banco Central, pra tentar fazer com que a inflação retome uma trajetória compatível com as metas.
Se no meio ambiente, relações externas, saúde, educação, programas sociais o novo governo tem gerado previsões otimistas, do lado econômico poderia, pelo menos, tomar cuidado com algumas falas e sinalizações até que tenha uma política mais definida, que permita a definição de expectativas mais concretas
Não vamos esquecer que ainda tem o cenário internacional, que pode influenciar a economia, através do retorno comercial e fluxo de investimentos, por exemplo. Nesse sentido, outro fator que tem tido repercussão no mercado são declarações de dirigentes do FED, quanto à necessidade de seguir com o aperto dos juros, nos Estados Unidos, apesar da desaceleração da inflação, que até tem levado a projeções melhores quanto ao tamanho total e ritmo de alta das taxas. O problema parece ser a robustez do mercado de trabalho, com taxa de desemprego na faixa de 3%. Juros mais altos nos Estados Unidos mexem com o humor do mercado global, além da perspectiva de retração das economias do hemisfério norte.