Denise Campos de Toledo EECI

Incertezas fiscais só aumentam, pressionando mais o mercado 

O cenário fiscal do País atingiu um grau de incerteza ainda maior com o anúncio da criação do Auxílio Brasil, a partir de novembro, com ampliação para 17 milhões do número de famílias atendidas e com o valor mínimo do benefício subindo para R$ 400. Embora se saiba da importância de um amplo programa de reforço financeiro, dado o desemprego elevado e o aumento da pobreza e da insegurança alimentar, agravados pela inflação em alta, se esperava um planejamento mais responsável e mais bem estruturado. O problema são as alternativas em discussão para viabilizar o programa.

Como parte do reforço do valor virá de um benefício temporário ao longo de 2022, o governo escapa da necessidade de ter uma fonte de renda permanente, para custear a despesa, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Só que a despesa vai existir e terá de caber no orçamento e no teto de gastos. Em relação ao teto, o governo já vinha tentando abrir espaço com a postergação do pagamento dos precatórios. Essa ideia, desde o início, foi vista como um calote, apesar de se reconhecer o avanço, além do esperado, dessa despesa que chegaria a quase R$ 90 bilhões em 2022. Mas era uma ideia que vinha sendo assimilada, mesmo com o risco de acumular um significativo estoque de dívidas nos próximos anos… 

O que afetou mesmo a percepção de risco nos últimos dias foi o fato de a despesa com o programa ter aumentado muito, com o valor subindo de R$ 300 para R$ 400, e de o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, ter admitido uma possível antecipação das mudanças no teto de gastos, que só deveriam ocorrer em 2026, pedindo licença pra gastar R$ 30 bilhões extra teto, com a justificativa do caráter social do programa. E isso mesmo considerando que o reforço temporário do benefício só vai estar garantido em 2022, ano de eleições. Fica mais caracterizada a ideia de um programa eleitoreiro, onde Guedes, que deveria ser o guardião da responsabilidade fiscal, cedeu aos interesses políticos, meio que jogando a toalha. Nenhuma das possíveis alternativas de mexida no teto vai estabelecer um contexto de maior confiança quanto à evolução das contas e da dívida púbica, mesmo que a situação atual, de curto prazo, esteja melhor.

A repercussão é bem negativa, com mais pressões no dólar e na curva de juros, além da Bolsa. Pioram as perspectivas para a evolução das finanças, afetando a credibilidade do País, o potencial fluxo de investimentos de mais longo prazo. O dólar fica mais pressionado, testando novos patamares de alta, apesar das intervenções diárias do Banco Central. Dólar mais alto prejudica o controle da inflação, levando à expectativa de alta mais forte da taxa básica, que já se reflete na curva de juros, cujas taxas estão batendo em patamares que pareciam inadmissíveis poucas semanas atrás. Para a reunião do Copom da próxima semana, já aumentaram as apostas de elevação de 1,25 pp da Selic, mesmo com a declarada intenção do Comitê de manter o ritmo de ajuste de um ponto a cada reunião. Inflação e juros em alta, é claro, pioram mais as projeções quanto ao ritmo de expansão da atividade. 

Toda essa incerteza em relação ao Auxílio Brasil e os efeitos colaterais pioram as perspectivas gerais para a economia em 2022 , quando o governo estará ainda mais preocupado com ações que possam assegurar maior popularidade. Mesmo sem um desfecho para as discussões, o que temos é um grau de incerteza muito maior, que só aumenta a volatilidade do mercado, também influenciado por fatores externos. E ainda é preciso conferir se o governo terá condições políticas para a aprovação das mudanças que está propondo, para os precatórios e o teto, além de outras pautas. 

Leia a última coluna da Denise Campos de Toledo: A inflação e as diferentes percepções de cenário.

O conteúdo foi útil para você? Compartilhe!

Recomendado para você

O investidor na sala de espera

Salas de espera podem ser muito relaxantes ou extremamente desconfortáveis. Pessoas ansiosas consideram aquele período de inatividade quase uma tortura. Quem precisa de um tempinho

Read More »

Ajudamos você a investir melhor, de forma simples​

Inscreva-se para receber as principais notícias do mercado financeiro pela manhã.