Os bombardeios da Rússia na Ucrânia, para além das áreas separatistas, dando início a uma guerra, tiveram repercussões das mais negativas sobre os mercados. Houve avanço forte do petróleo, que passou dos US$ 100 dólares o barril, o que não acontecia desde 2014, alta também de alimentos, queda das Bolsas, fuga de recursos para títulos americanos, num movimento de aversão ao risco que reverteu a queda acentuada que a cotação da moeda vinha tendo no Brasil. O dólar, nesta semana chegou a testar o piso do R$ 5,00, diante do aumento do fluxo de capital externo. Com a busca por proteção e aumento da demanda por títulos americanos, os juros lá caíram, contrariando as expectativas relacionadas ao início do ciclo de alta das taxas pelo Federal Reserve. Ficam dúvidas quanto a outras repercussões geopolíticas dessa crise e o quanto que poderão interferir nas economias, mesmo as não envolvidades mais diretamente no conflito.
Uma das grandes preocupações é com relação a inflação, que já tem sido um problema global pelos desequilíbrios provocados pela pandemia. O petróleo é um preço estratégico, que nos afeta diretamente. Tanto que estamos vendo várias iniciativas políticas, no sentido de cortar tributos, criar fundo de estabilização, usar os recursos dos royalties, pra tentar reduzir os preços dos combustíveis. A Rússia garante cerca de 11% da produção mundial de petróleo. Mas não é só isso. O Brasil também já vinha sentindo o impacto do aumento dos preços dos fertilizantes na agricultura, cujo principal fornecedor é a Rússia. E agora há preocupação também com a cadeia global de alimentos. Os dois países são importantes produtores de cereais e grãos, como milho e trigo. Rússia e Ucrânia respondem por 15% das produção mundial de trigo e só a Ucrânia garante 17% do milho ofertado no mercado mundial. Podemos tern uma nova onda de aumento dos preços domésticos de alimentos, que já vinham subindo pelos efeitos das condições climáticas sobre as lavouras e até a pecuária.
Ainda é preciso considerar os reflexos globais das sanções financeiras impostas contra a Rússia, no que se refere às operações com bancos e títulos do país, a rolagem da dívida e restrições do comércio. A avaliação, em princípio, é que a Rússia buscou reduzir a vulnerabilidade quanto a essas sanções e ainda poderá contar, mesmo que por baixo dos panos, com o suporte da China. Mas uma crise maior para as finanças do país, além da piora interna, pode ter desdobramentos no mercado global.
A duração, a intensidade e o desfecho dessa crise sobre os mercados, o dólar, os fluxos de capitais e preços de commodities podem alterar os planos de gestão das políticas monetárias que vinham sendo implementadas pelos bancos centrais, desde o ritmo de ajuste dos juros nos Estados Unidos, até um eventual prolongamento da manutenção de taxas mais altas aqui no Brasil, onde a inflação se mantém persistente. Vale lembrar que o IPCA 15 de fevereiro, com alta de 0,99% reforçou o viés de alta da inflação deste ano.
É uma situação a ser observada no dia a dia, para ver se a diplomacia ainda poderá prevalecer, limitando os impactos do conflito, ou se haverá um agravamento do jogo de sanções, além do impacto humano da guerra.
Vale lembrar que o Brasil está no topo dos juros globais, o que ainda pode garantir alguma atratividade para os recursos de curto prazo, mais especulativos, que buscam boas oportunidades mesmo em meio a um cenário de mais incertezas. O que pode ser um freio para um avanço maior do dólar, que seria bem nocivo para o controle da inflação. Além disso, com a queda das últimas semanas, se ocorrer um ajuste mais pesado, vai partir de uma base mais baixa, limitando possíveis impactos sobre preços. De qualquer modo, esse conflito só reforça o alerta em relação à inflação. De resto, temos os indicadores de mercado de trabalho e das contas públicas ainda não refletindo a expectativa de um cenário menos favorável para este ano, diante da previsão de expansão da economia perto de zero, que pode comprometer a geração de impostos e vagas de emprego. No que se refere às finanças públicas, importante destacar que as pressões por aumentos de gastos e cortes de receita, via redução de tributos, por exemplo, como do IPI para produtos industriais e os que incidem sobre combustíveis, continuam potencialmente ampliando o risco fiscal. São temas que, por enquanto, acabaram ficando em segundo plano, diante do impacto do conflito entre Rússia e Ucrânia.
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