O cenário prospectivo para a economia brasileira continua muito incerto. Persistem as indefinições fiscais, com as dificuldades para o governo levar adiante a PEC dos Precatórios e com alterações no teto de gastos que, mesmo aprovadas, ainda deixariam muitas dúvidas quanto às perspectivas de evolução das contas públicas e ao compromisso fiscal do governo. Por outro lado, a inflação segue pressionada, sem um choque monetário que possa garantir a convergência das projeções para a meta no próximo ano, alívio na curva de juros a médio e longo prazo ou acomodação do dólar. E ainda tem toda a influência externa, com as sinalizações de mudanças nas políticas dos bancos centrais pra fazer frente à inflação, que se mantém como um problema global, mesmo com as economias dando sinais de perda de ritmo, como ocorreu com o PIB do terceiro trimestre nos Estados Unidos.
No âmbito doméstico, a questão fiscal ganha relevância, até pelo impacto que vem tendo na inflação, que se coloca como um dos principais desafios na gestão da economia. O IPCA 15, com alta de 1,20% em outubro e variação acumulada de 10,34% em 12 meses, superou as projeções, assim como o retorno do IGPM ao campo positivo, com alta de 0,64% no mês. Há uma persistência de aumentos no atacado, em decorrência da alta de commodities no exterior, da crise de energia e da pressão do dólar, mesmo com os preços de alimentos mostrando perda de ritmo. No varejo, o índice de disseminação continua alto. E, além dos preços que já vêm pesando há bastante tempo, como os de alimentação, de combustíveis e de energia, chama atenção o avanço do setor de Serviços. Os aumentos já eram esperados, diante da flexibilização das atividades, mas a intensidade está além do previsto.
O dólar em patamar mais elevado, com o impulso dado pelas incertezas fiscais, piora as perspectivas de reversão de muitas dessas pressões de preços. E fechamos mais uma semana com o cenário fiscal indefinido. Vale observar que, na conjuntura de curto prazo, temos até uma melhora importante da evolução das contas, com novos recordes de arrecadação e previsão de déficit menor para o ano. O problema foi toda a estratégia lançada pelo governo para viabilizar o Auxílio Brasil. Começou com a tentativa de postergar boa parte do pagamento dos Precatórios, dando a ideia de calote e com risco de gerar um acúmulo de dívidas. Porém, abrindo espaço no teto para o novo programa. Problema que se agravou com o anúncio do benefício com valor mínimo de R$ 400 para atender cerca de 17 milhões de famílias. Isso exige novas manobras, como a alteração do período de referência da inflação usada para corrigir o teto. Como por onde passa um boi passa uma boiada, já vieram as pressões políticas para aproveitar as mudanças ampliando, também, o espaço para o fundo eleitoral e as emendas do relator. E, sem contar com a receita extra que viria da Reforma do Imposto de Renda, que será esvaziada no Senado, o jeito foi tentar complementar o valor do Auxílio com um benefício temporário ao longo de 2022. Tudo isso mostrou a força do interesse político, com foco nas eleições, se sobrepondo à Responsabilidade Fiscal. O questionamento não vem da ampliação do programa de renda, que é importante do ponto de vista social, onde se verifica o aumento da pobreza, da insegurança alimentar, até pela inflação corroendo o poder de compra. O desconforto veio das manobras fiscais.
Tem mais: ainda não se sabe se o governo vai conseguir a aprovação de tudo que foi proposto. A votação da PEC dos Precatórios foi adiada para a próxima semana, por resistência de muitos parlamentares, e o governo precisa da PEC para alterar o teto e o parcelamento de parte das despesas com as sentenças judiciais em 2022, garantindo a criação do Auxílio Brasil ainda neste ano. O programa não pode ser lançado em ano de eleições.
Diante deste cenário, tivemos a esperada alteração na política de ajustes da Selic pelo Banco Central, a âncora que restou para segurar a inflação. Em vez de um ponto da dosagem de aumento prevista até o começo de 2022, já houve um ajuste de 1,5 ponto, com a taxa básica indo a 7,75%, que deve se repetir nas próximas reuniões do Copom. No começo do próximo ano, voltaremos a ter juros de dois dígitos. Previsão que piora mais as perspectivas quanto ao desempenho da economia, que já vinham sendo revisadas para baixo. Por mais que tenhamos retomada da atividade, diante do controle da pandemia, recuperação de indicadores, como do emprego, a combinação de inflação e juros mais altos, com incertezas que desestimulam os investimentos, afetam o potencial de expansão da economia. O que é lamentável, já que poderíamos estar avançando com reformas importantes, como a administrativa, aproveitando a evolução mais favorável das contas, do mercado de trabalho, com privatizações como dos Correios, o 5G, concessões na infraestrutura.
No final das contas, todo esse contexto revela um preocupante falta de estratégia de política econômica, com improvisos para viabilizar interesses políticos e até minimizar problemas, como é o caso da tentativa de mudar o ICMS pra baixar preços dos combustíveis, compensar caminhoneiros pelo aumento do diesel, cortar verba da Ciência e até falar em privatização da Petrobrás, um ano antes das eleições. Nessas condições, nem causa mais estranheza o dólar pressionado ou a instabilidade da Bolsa, além da curva de juros testando patamares que, como já afirmei anteriormente, pareciam inimagináveis até poucas semanas atrás.
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