A percepção é que temos um clima mais otimista na economia. O nível de confiança aumentou, inclusive dos agentes do mercado. Há até uma avaliação bem mais favorável do ministro Haddad, como mostrou a pesquisa Quaest. Mas, na verdade, mesmo que alguns indicadores estejam, de fato, melhores, esse clima tem muito a ver com a diminuição do grau de incertezas.
Começamos o ano com muitas dúvidas, especialmente do lado fiscal. Teve a PEC da Transição, abandono do Teto de Gastos, planos de aumento de despesas do novo governo, com falas do presidente Lula que davam ideia de um certo desprezo pelo ajuste das contas. Situação que adiou as previsões quanto ao corte dos juros, inclusive pela avaliação mais cautelosa de cenário pelo Banco Central, onde além da inflação pesou, justamente, a questão fiscal.
Aos poucos, até com alguma demora, o governo foi estabelecendo planos que foram amenizando os temores. O arcabouço, embora não seja um modelo de austeridade, definiu parâmetros para as despesas e com metas responsáveis para as finanças. Além de ajudar na melhoria da confiança do mercado, levou a perspectivas mais favoráveis para o risco país. Projetos do governo, nas várias áreas, foram sendo encaminhados sem comprometer a expectativa de respeito ao arcabouço proposto como o estímulo à aquisição de carros. Até porque também foram apresentadas iniciativas para ampliar a receita.
Houve incertezas também em outras iniciativas, como a política de preços da Petrobras, revisão do marco do saneamento, lei das estatais. Mas o petróleo menos pressionado no exterior e resistências do Congresso quanto às mudanças minimizaram impactos mais relevantes, pelo menos, até agora. Tudo isso num contexto em que o ministro Haddad, junto com Simone Tebet e o vice/ministro Alckmin mostraram responsabilidade ou jogo de cintura pra fazer frente às pressões internas do governo, no sentido de maior afrouxamento orçamentário.
A pressão constante sobre o Banco Central e Roberto Campos Neto também ficou menos grave, do ponto de vista da confiança, por essas posturas conciliadoras, ainda que a equipe econômica também defenda e cobre cortes dos juros. O tom da cobrança faz diferença. Tem mais: a queda da inflação, até com deflação de alguns indicadores, e a forte redução das previsões do mercado acabaram criando consenso quanto à adequação do início do corte dos juros em agosto. Vale lembrar que, independentemente dos embates, ocorreu a mudança da política de metas, mantendo o objetivo dos 3% de inflação, só que em horizonte maior, não mais para o ano calendário. Afastou o temor de maior leniência com a inflação, caso a meta fosse elevada, como se cogitou, ao mesmo tempo em que reforça as condições para flexibilização da política monetária. O BC terá mais tempo para fazer a inflação caminhar, efetivamente, para os 3%. Aliás, mesmo que nos próximos meses possa haver alguma elevação da variação anualizada, o IPCA em 12 meses está rodando na faixa dos 3% (a última previsão do Focus é 4,95% para o fechamento de 2023).
Fechando o balanço de notícias mais positivas a Câmara aprovou a proposta de Reforma Tributária, no prazo previsto por Arthur Lira, com forte engajamento de Haddad e até do governador Tarcísio. Mesmo com o excesso de liberação de emendas e negociações quanto a cargos e Ministérios e a ideia foi de vitória do governo, em uma reforma esperada há mais de 30 anos.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, em meio à instabilidade das expectativas, a queda da inflação, como mostraram o CPI e o PPI nos últimos dias, pode limitar os aumentos dos juros, afastando o risco de retração da economia. Até porque o país mantém ótimos dados do emprego.
Toda essa configuração interna e externa tem ajudado a manter o dólar em patamar mais baixo, a Bolsa em recuperação no balanço anual, com a curva de juros incorporando até um possível corte maior da Selic. Sendo que a deflação de 0,08% do IPCA em junho até aumentou as chances de um corte de 0,50 pp da taxa básica em agosto e não apenas de 0,25, que ainda é a aposta dominante. O que está pegando é a persistência da inflação de Serviços, setor que reagiu em maio, com expansão de 0,9%.
Por esse relato até parece que estamos no melhor dos mundos. Mas não é bem assim. Temos um cenário bem menos preocupante, com alguns encaminhamentos muito positivos, mas que ainda têm de ser concluído. No fiscal, o Tesouro já indicou a necessidade de uma arrecadação extra de R$ 162 bilhões para viabilizar a meta de zerar o déficit em 2024. As exceções colocadas pelo Senado, ao limite de gastos, ainda terão de ser revistas pela Câmara, para aprovação final do arcabouço, que só deve ocorrer em agosto. A votação do Carf na Câmara, vista como outra vitória do governo, já que poderá reforçar o Caixa em disputas sobre tributação, terá de ser confirmada pelo Senado. E o Senado ainda irá rediscutir a proposta da reforma tributária aprovada na Câmara, podendo alterar pontos que têm gerado maior polêmica e que devem interferir na definição de alíquotas do IVA dual. Detalhe: antes mesmo da conclusão dos trabalhos no Senado, que podem se arrastar até o final do ano, o governo já deverá encaminhar proposta sobre a tributação da renda.
Portanto, fatores relevantes para essa melhoria de percepção do quadro econômico ainda têm de ser confirmados.
Até em relação aos juros nos EUA não dá pra fechar uma aposta. Novos indicadores podem continuar interferindo na percepção de cenário e nos movimentos dos mercados até que o Federal Reserve dê mesmo como encerrado o ciclo de aperto dos juros.
Com toda essa agenda em aberto o que parece certo é que teremos o tão esperado início de corte dos juros por aqui, o que recomenda alguns reposicionamentos dos investidores, não tanto pelo tamanho dos cortes da Selic, mas pelo impacto na curva de juros e consequente rentabilidade das aplicações. Levando em conta a reforma tributária e outras mudanças mais estruturais da economia, fora o cenário externo, como as cotações de commodities, também vale avaliar com mais atenção os reflexos sobre os preços de outros ativos, como as ações em Bolsa.