Finalmente saiu o arcabouço fiscal e, em princípio, bem recebido por analistas, mercado e meio político, embora ainda desperte muitas dúvidas e desconfianças.
É positivo o reconhecimento de que há necessidade de melhorar os saldos fiscais, de colocar limites à expansão dos gastos, ainda que continuem crescendo. Só que em ritmo menor que a arrecadação, o que deve gerar a economia necessária para o ajuste fiscal. Os gastos deverão ter um crescimento real mínimo de 0,6%, para ter um impacto anticíclico, garantindo algum estímulo mesmo em períodos de atividade mais fraca. Só que também haverá um limite de expansão de 2,5%, para evitar descontrole em momentos de maior avanço, para que não haja descontrole de despesas.
Como não há plano de corte dos gastos, apenas previsão para que cresçam abaixo da receita primária, se conta com o reforço de arrecadação. Como antecipou o ministro Haddad, não deve haver criação de tributos ou aumento de alíquotas, mas desonerações e incentivos poderão ser revistos e setores ainda não regulamentados, como apostas esportivas online, podem começar a pagar impostos. E ainda tem a reforma tributária no radar. Quanto ao ajuste das contas a previsão é de um déficit de 0,5% do PIB este ano, com tolerância entre 0,25 e 0,75, com déficit zerado em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026, sempre com margem de 0,25 para cima ou para baixo nas metas. As regras e metas são apenas para este governo, diferente do que ocorria com o teto de gastos.
Embora não haja projeções para a dívida pública, se espera estabilidade e até redução na medida em que ocorra o ajuste fiscal e sejam estabelecidas condições para o corte dos juros e maior expansão da economia. Enquanto Haddad falou em alinhamento da política fiscal e monetária, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, elogiou o esforço da equipe econômica no sentido de viabilizar a melhora da contas. E Simone Tebet, ministra do Planejamento, área responsável pela elaboração do orçamento, julga serem factíveis as propostas do arcabouço com as políticas sociais do governo, que implicam mais despesas. As novas regras fiscais prevêem, inclusive, margem para mais investimentos do governo em obras, caso o resultado primário das finanças públicas supere o teto de variação da meta. Ainda será fixado um piso mínimo anual.
O alívio inicial do mercado veio muito do fato de agora haver parâmetros para a gestão dos gastos e metas a serem cumpridas. Claro, que há dúvidas quanto à forma como serão atingidos. De que maneira, por exemplo, se poderá garantir a arrecadação necessária para não estrangular o orçamento dado o compromisso de o crescimento dos gastos públicos não poder exceder os 70% de crescimento da receita primária (arrecadação de impostos e transferências) e de que forma o orçamento irá incluir despesas adicionais já formalizadas, como reajuste do funcionalismo, o Bolsa Família, mais gastos com Saúde, Educação, outros programas sociais, reajuste do salário mínimo. E ainda se as propostas serão aprovadas pelo Congresso, não só o arcabouço, mas medidas que ajudem a reforçar a arrecadação, como espera a equipe econômica.
De qualquer modo, agora saímos do cenário de total incerteza. Numa visão mais otimista, a aprovação do arcabouço até o final de abril, mês em que também será apresentada a LDO, poderia até viabilizar algum corte da Selic na reunião de maio, do Copom ou a esperada sinalização de que isso possa ocorrer em breve. Mas até lá ainda teremos muitos fatos novos, questionamentos e discussões. Mas as cartas estão começando a serem colocadas na mesa.