Levante Ideias - Selic

A Selic e a moça do bolo

Quem transita por estações de trem, de metrô ou por terminais de ônibus conhece essas figuras. Aqui mesmo no Condado há várias. Senhoras jovens, ou nem tanto, com aventais e máscaras. Um tabuleiro, algumas garrafas térmicas com chá, leite e café e, principalmente, bolos. Petiscos diversos para injetar uma dose de açúcar refinado e de gorduras saturadas no organismo do povo que vai para o trabalho. Perfeitamente integrada à paisagem urbana, a “moça do bolo” é uma empreendedora da base da pirâmide. E a economia tem um problema quando ela começa a prestar atenção aos índices de inflação.

Economistas pensam, corretamente, na inflação como um fenômeno econômico e monetário. Porém, o descontrole de preços vai além disso. Também é um fenômeno social. Por isso, antes que você se pergunte qual a relação entre as decisões do Copom (Comitê de Política Monetária) e a moça do bolo diante do terminal de ônibus, eu explico. Como ela define seus preços?

Seu modelo de negócios é simples: voltar para casa com o menor estoque possível, dado que o prazo de validade dos produtos é curto. Por isso, o processo de formação de preço é dinâmico. O valor cobrado varia em função do horário, da quantidade de pessoas e da temperatura. Vende-se mais em dias frios, menos em dias de chuva. Porém, quando a moça do bolo – e os demais empreendedores, da base, do meio ou do topo da pirâmide – começam a pensar também se não é hora de reajustar os preços pois a inflação está elevada, a economia como um todo tem um problema.

O trabalho do empresário é complexo: organizar o capital e os demais fatores de produção de modo a maximizar o lucro. Essa tarefa fica menos complicada quando há regras estáveis, principalmente para os preços. Quando isso não ocorre, a incerteza generalizada emperra a economia. No caso da inflação, a falta de segurança com relação ao comportamento dos preços dos insumos costuma levar a reajustes preventivos e o processo inflacionário se retroalimenta. As brasileiras e brasileiros viveram isso nos anos 1980 e 1990. Naquela época, o descontrole das contas públicas e a estrutura oligopolizada da economia favoreciam uma certa inelasticidade da inflação. Porém, a deterioração constante das expectativas levou a um processo de reajuste automático e preventivo de preços, que foi denominado “inflação inercial”.

Guardadas as enormes e devidas proporções, é óbvio que os 10,04% do IPCA nos 12 meses de 2021 estão a anos-luz de distância do descontrole dos anos 1990, mas manter como pano de fundo a triste experiência brasileira com a escalada de preços é importante para entender e não repetir o fenômeno monetário. O temor de que a inflação siga elevada provoca reajustes preventivos nos preços, que retroalimentam o processo. Por isso a necessidade de o Copom manter uma política monetária firme.

Haverá uma grande surpresa se a decisão anunciada no fim da tarde desta quarta-feira (02) for diferente de uma elevação de 1,5 ponto percentual, alterando a taxa Selic dos atuais 9,25% ao ano para 10,75%. A importância de mandar os juros referenciais de volta para a casa dos dois dígitos, algo que não ocorria desde junho de 2017, vai além do mero cálculo do impacto sobre o nível de atividade econômica. Também opera no mais fluido e menos previsível campo das expectativas. Se não mostrar firmeza agora em sua tarefa de fazer o IPCA convergir para a meta de 3,5%, o Banco Central terá muita, mas muita dificuldade para impedir que a moça do bolo queira saber como está a inflação todos os dias bem cedo, na hora de montar seu tabuleiro.

Indicadores

A produção industrial cresceu 2,9% em dezembro na comparação com o mês anterior. No ano, houve ganho acumulado de 3,9%. Em novembro, a produção industrial brasileira havia registrado variação nula (0,0%), o que interrompeu cinco meses consecutivos de queda. Com o resultado de dezembro, o setor se encontra 0,9% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, no cenário pré-pandemia, e 17,7% abaixo do nível recorde, registrado em maio de 2011.  Os dados são da PIM (Pesquisa Industrial Mensal), divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

E Eu Com Isso?

A quarta-feira começa com um movimento de alta tanto dos contratos futuros do Ibovespa quanto dos contratos do índice americano S&P 500. As expectativas positivas com relação aos resultados de 2021 das empresas americanas vêm sustentando uma alta dos preços no exterior, ao passo que o movimento de compra das ações brasileiras vem prosseguindo.

As notícias são positivas para a Bolsa.

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Leia também: Copom eleva Selic a 9,25% ao ano, maior patamar em quatro anos.

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