O governo está numa fase de grandes desafios para garantir as estratégias que podem assegurar o cumprimento das novas regras fiscais, como zerar o déficit das contas em 2024. Contas que registraram em julho um déficit primário de R$ 35,9 bilhões, o segundo pior da história. Enquanto a equipe econômica elabora medidas para ampliar a arrecadação, as receitas líquidas, descontados os repasses para Estados e municípios, tiveram queda real de 5,3% sobre o mesmo mês do ano passado. Houve queda de arrecadação de tributos e de ganhos com dividendos e exploração de recursos naturais. Ao mesmo tempo, aumentaram gastos com a Previdência, abono salarial e seguro desemprego, assim como Bolsa Família e repasses a governos regionais.
Há uma combinação de fatores desfavoráveis, alguns relacionados à própria gestão do governo, como o aumento do salário mínimo e a correção da tabela do imposto de renda. Na mesma semana em que essas mudanças, já em vigor desde maio, foram sancionadas, após aprovação do Congresso, o Ministério da Fazenda já anunciou medidas compensatórias, que estão sendo chamadas de Robin Hood, como a taxação dos fundos exclusivos, dos super ricos, através de MP, e dos recursos aplicados no exterior, em offshores, através de projeto de lei. Os trusts que administram patrimônios para reduzir o custo das repartições de heranças também estão no radar. São várias as projeções quanto ao que pode ser arrecadado. Mas até para um reforço da receita a curto prazo, quem antecipar o enquadramento às novas regras, neste ano, pode ter uma alíquota menor, de 10%, antes de cair na tabela progressiva.
São propostas que ainda podem ser modificadas ou até rejeitadas pelo Congresso. Já se fala, por exemplo, na diminuição da alíquota de 10%, entre outras alterações. E Arthur Lira, presidente da Câmara, tem dado o recado que o encaminhamento dessas pautas pode demandar, como contrapartida, um projeto de reforma administrativa, para diminuir o tamanho e as despesas do Estado. Reforma das mais relevantes, mas que não tem muita adesão da base governista.
Enquanto a equipe econômica busca alternativas para ampliar receita, o Congresso não tem seguido uma direção única no que se refere às contas públicas. Nesta semana deu uma vitória importante para o governo, que foi a aprovação do voto de desempate no Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, espécie de tribunal que julga ações sobre tributação. Desde 2020, o empate vinha sendo favorável aos contribuintes. Isso pode assegurar, nas projeções mais otimistas, cerca de R$ 54,7 bilhões para o governo. Só que, no sentido inverso, foi aprovada, na Câmara, a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores da economia que mais empregam, estendendo o benefício para os municípios, o que vai reduzir a receita federal. No caso das empresas, que podem pagar de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez dos 20% sobre a folha de salários, para a Previdência, o impacto é estimado em R$ 9,4 bilhões por ano. Já a desoneração escalonada para todos os municípios, com alíquotas de 8% a 18%, de acordo com o PIB per capita, pode chegar a R$ 7,2 bilhões. Derrota que o governo ainda buscar algum caminho para reverter, mesmo que parcialmente.
E as tentativas de ampliar receita ainda têm outras frentes, como o projeto de lei que prevê o fim do mecanismo de distribuição de juros sobre capital próprio (JCP) por empresas a partir de 1º de janeiro de 2024. O projeto veda a dedução de juros pagos sobre remuneração do capital próprio na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A expectativa é que o fim do mecanismo de JCP gere uma arrecadação de R$ 10 bilhões em 2024, com impacto negativo sobre os lucros de muitas empresas.
Anteriormente, o governo já tinha avançado com outras medidas, como a tributação das apostas esportivas online e a mudança na taxação das compras através das plataformas de e-commerce. Ainda teve a vitória no STF, que decidiu que benefícios estaduais não podem ser abatidos de tributos federais, fazendo as empresas pagarem mais impostos.
Todo esse esforço parece justificável na Proposta de Orçamento de 2024, onde se conta com receitas extras de R$ 168 bilhões e aumento de despesas de R$ 129 bilhões, tendo como meta o déficit zerado, já antecipando o salário mínimo de R$ 1.421,00 no próximo ano, com aumento de R$ 101,00 em relação ao valor atual, de R$ 1320,00. Toda uma combinação que ainda pode exigir mais estratégias de reforço do Caíxa. Sendo que apenas a apresentação das medidas arrecadatórias citadas já permite a inclusão das projeções de receita na proposta. Agora é “brigar” no sentido da articulação política pela aprovação de tudo que ainda depende do Congresso, na expectativa de confirmação das projeções.
Fato é que o governo tenta conciliar a intenção de ampliar gastos sociais, investimentos, aumentar a faixa de isenção do imposto de renda e outras despesas, com o desafio de não descumprir as metas do arcabouço já na largada. Sabemos as implicações que isso pode ter sobre a confiança dos agentes econômicos, investidores e até nas condições para a manutenção de um bom ritmo de corte dos juros. O Banco Central, mais que a evolução da inflação, sempre ressalta a importância do ajuste fiscal. São políticas que devem correr em paralelo para ampliar as chances de crescimento com estabilidade.