Na coluna de hoje irei falar sobre operações vendidas em ações, explicar o que é o “short squeeze”, contar o que aconteceu com as ações da GameStop nos EUA e o impacto no mercado de ações.
Esse foi o assunto da semana: a lenda de Robin Hood, que tirava dos ricos para dar aos pobres, a vingança dos pequenos investidores no varejo – as “sardinhas” – que fizeram com que um grande lobo de Wall Street, o fundo de investimento Melvin, perdesse muito dinheiro e precisasse ser resgatado por outros grandes fundos de investimento (Citadel e Point72).
Mas afinal o que é short squeeze? Como funciona a dinâmica de uma posição vendida (short)?
Posição vendida (short)
Uma posição vendida é quando um investidor ou um fundo aposta na queda das ações de uma empresa devido à deterioração nos seus fundamentos ou devido ao seu alto preço/valuation.
Para fazer uma posição vendida, o investidor “vende” as ações da empresa hoje, ao tomar emprestadas as ações, pagando uma taxa de aluguel, e esperando comprar as ações no futuro por um valor mais baixo e dessa forma encerrar a posição vendida.
Como o investidor espera queda nas cotações, no futuro, essa diferença entre o preço atual e o preço mais baixo no futuro é o ganho na operação.
Na posição comprada a possível perda do investidor fica limitada a 100 por cento por cento do capital investido. No, entanto, na posição vendida pode-se perder mais do que o capital investido, pois existe a chamada de margem da posição vendida em aberto.
Efeito virtuoso/vicioso
Uma característica interessante das operações vendidas é a seguinte: para que uma posição vendida (short) seja encerrada, o investidor precisa comprar as ações. Se a posição é muito grande, causa uma alta no preço das ações, o que pressiona ainda mais a posição dos vendidos que permanecem na posição.
Dessa forma, a alta das ações provocada pela zeragem das posições vendidas (compra das ações) provoca uma alta adicional nas ações que aumenta ainda mais as chamadas de margem e as perdas dos investidores que têm posição vendida naquelas ações.
Essa característica explica o alto volume negociado e as grandes variações no preço das ações num “short squeeze”.
Short squeeze
A forte alta nas ações de uma posição vendida é um pesadelo para o fundo que tem essa posição short.
Com a alta da ação ele precisa depositar mais margem (colocar dinheiro), o que aumenta a sua perda na operação.
Para encerrar a posição e limitar as perdas, o fundo precisa comprar as ações, o que faz com que as ações subam ainda mais, o chamado “short squeeze” ou aperto na posição vendida.
Assim quem provoca a alta no preço das ações coloca uma pressão (squeeze) nos investidores que tem posição vendida.
O que aconteceu com as ações da GameStop
A GameStop é uma empresa de varejo com lojas físicas que vende videogames nos EUA.
A posição total vendida em ações da GameStop chegou a 150por cento das ações em circulação no mercado nos EUA, algo somente possível com a existência de derivativos (opções).
O fundo de investimento Melvin, com 10 bilhões de dólares sob gestão em dezembro do ano passado, tinha uma grande posição vendida em ações da GameStop, uma informação pública da carteira do fundo.
Pequenos investidores pessoas físicas atuaram em conjunto por meio de redes sociais através do fórum Wallstreetbets, do Reddit, com quase 5 milhões de inscritos, para incentivar a compra da das ações da GameStop, o que ocasionou forte alta no preço das ações e colocou os gestores de fundos de hedge contra a parede.
Nesse caso investidores individuais fizeram muito dinheiro enquanto o grande fundo Melvin (rico) perdeu tantos recursos que precisou ser resgatado por outros fundos de investimento (Citadel e Point72) que colocaram 2,75 bilhões de dólares na Melvin
Os investidores que montaram posições vendidas perderam 9,3 bilhões de dólares na GameStop, com perdas totais de 5 bilhões de dólares somente na terça-feira (26/jan).
Alto volume negociado nas ações da GameStop
Após cinco sessões de altas consecutivas e valorização de 927,6 por cento no ano, as ações da americana GameStop fecharam em queda de 44 por cento nesta quinta-feira (28).
Na quarta-feira (27/jan), a quantidade de ações negociadas da GameStop (GME) foi o maior da bolsa dos EUA: 178,6 milhões de ações, comparado a 98 milhões de ações da Apple e 23 milhões de ações da Tesla, dois gigantes com valor de mercado de 2,4 trilhões de dólares e 840 bilhões de dólares, respectivamente.
Fundamentos da GameStop
Acredito que esse aumento no volume negociado e alta no preço das ações da GameStop (GME) é totalmente especulativo e não tem nenhuma relação com os fundamentos da companhia.
A GameStop é uma varejista de vídeo games que oferece consoles, jogos, acessórios e itens colecionáveis do “mundo nerd”, com 5 mil lojas espalhadas em dez países, além de contar com uma estrutura (ainda incipiente) de e-commerce.
Mesmo antes da pandemia a companhia já apresentava queda de 22 por cento no seu faturamento em 2019, um prejuízo contábil de 471 milhões de dólares e um consumo de caixa total de 1,1 bilhão de dólares.
Aguardando resposta das autoridades (SEC)
A grande questão é se houve manipulação de mercado ou, no limite, algum crime financeiro. As autoridades americanas, o banco central (FED) e o “xerife” das bolsas dos EUA, a SEC (equivalente à Comissão de Valores Mobiliários/CVM no Brasil) ainda não se posicionaram sobre ao assunto.
O mercado acredita que o que ocorreu com a GameStop é uma vingança das pessoas físicas em relação ao grandes bancos e fundos de investimento, consideradas responsáveis pelo o que aconteceu na crise 2008 quando muitas pessoas físicas perderam o seu dinheiro e os grandes bancos de investimento foram resgatados pelo Banco Central dos EUA.
Investidor torcedor
Esse episódio da GameStop chama a atenção para um novo fenômeno: o surgimento do investidor torcedor. Essa massa de investidores pessoas físicas compra as ações conforme o fluxo das redes sociais, sem relação com os fundamentos das empresas.
Com o aumento do volume negociado nas ações podem ocorrer variações significativos nos preços. Quanto mais gente conhecida, famosa, comprando mais convictos ficam os investidores e as ações sobem, com forte volume negociado, mas esse aumento no preço não tem ligação com os fundamentos da companhia.
Em 2020 tivemos alguns casos de ações “famosas” entre as pessoas físicas que tiveram altos volumes negociados: Cogna, IRB, Oi e Via Varejo, com volumes superiores em alguns dias às grandes empresas do Ibovespa (Petrobras, Vale, Itaú).
IRB Squeeze
Não demorou muito para acontecer um fenômeno parecido com IRB, que tem um grupo no Telegram com mais de 30 mil pessoas com a seguinte mensagem postada pelo administrador:
“O objetivo é ver um short squeeze em IRB, mas com um aviso (disclaimer) de que as postagens do canal não representam ordens de compra ou venda das ações”.
Nesta quinta-feira (28/jan), as ações do IRB tiveram alta de 18 por cento, com forte volume negociado de 1,5 bilhão de reais.
Cuidado com especulação
Eu recomendo muito cuidado com esses grupos de investimentos especulativos, sem relação com os fundamentos da empresa e baseado na torcida dos investidores.
Investir numa ação é se tornar sócio da empresa no longo prazo, não especulação. No Value Investing o valor da empresa está relacionado aos fundamentos da empresa. Preço é o que você paga, valor é o que você recebe.
Lição do caso GameStop
A lição a ser aprendida com o evento GameStop é que é possível aos pequenos investidores ter acesso a informações relevantes e em tempo hábil para aproveitar distorções de preço e obter um bom desempenho no mercado.
Apesar de possível, recomendo fortemente que o investidor não monte posições especulativas desse tipo.
Se for apostar – afinal, quem não gosta de uma boa aposta? – que seja um valor baixo e uma parcela bem pequena do patrimônio.
Conclusão
Eu sou muito favorável à democratização do acesso dos investidores às bolsas de valores, não precisa usar terno, ser milionário e saber de finanças para investir na Bolsa.
Entretanto, não me agrada o fato de um grupo de investidores e/ou fundos possa manipular o preço das ações das companhias no mercado.
Eu sempre baseio as minhas recomendações na Análise Fundamentalista e de acordo com todas as regras da CVM, sem nenhum tipo de informação privilegiada ou manipulação no preço das ações.
Dica de documentário
Quem quiser entender melhor sobre posições vendidas (short) eu recomendo o documentário: “Betting on zero” (apostando no zero) do investidor Bill Ackman da Pershing Square, que conta sobre a sua posição vendida em Herbalife.
Um grande abraço.
Eduardo Guimarães.