O impacto profundo dos problemas da incorporadora chinesa Evergrande e da nova política do Federal Reserve americano
Vivemos um momento da história em que as mudanças são muito rápidas. Foi o caso da semana que passou. No dia 19 de setembro, quando a Levante Ideias de Investimentos publicou a edição nº 179 do Domingo de Valor, a perspectiva era crescimento da economia chinesa e política monetária frouxa nos Estados Unidos. Como consequência, as perspectivas eram positivas para algumas ações da Bolsa brasileira. Especificamente, as empresas inseridas no mercado internacional de commodities, que seguiriam surfando na demanda aquecida pelos produtos básicos, e permaneceriam sustentando o Ibovespa.
A edição nº 180 do Domingo de Valor chegou a você com um cenário bastante diferente. As perspectivas para a economia chinesa são menos radiosas, e a política monetária americana tem hora mais ou menos marcada para começar a ser apertada. Tudo isso alterou os prognósticos para as commodities e obrigou os investidores a refazer seus cálculos e a recalibrar suas expectativas.
Lehman Brothers made in China
Recordando, brevemente. A semana começou com a notícia preocupante de que a Evergrande (3333.HK), segunda maior incorporadora chinesa, poderia ter problemas para honrar suas dívidas. Sua principal subsidiária, a Hengda Real Estate Group tinha um título vincendo na quinta-feira (23) de 83,5 milhões de dólares. Uma gota no oceano das dívidas da Evergrande, que são estimadas em 305 bilhões de dólares. Havia dúvidas sobre o pagamento e, no fim da quinta-feira, o grupo emitiu um comunicado afirmando que o assunto havia sido resolvido em “negociações privadas”.
O caso em si não é tão relevante, apesar de a Evergrande ser a segunda maior incorporadora chinesa. Ela emprega 200 mil pessoas e vendeu imóveis para 1,5 milhão de investidores e poupadores. No primeiro momento tentou-se buscar um paralelo com o banco de investimentos americano Lehman Brothers que, coincidentemente, quebrou em setembro, só que de 2008.
A quebra do Lehman provocou um terremoto no profundamente conectado mercado financeiro. Os desdobramentos financeiros de uma falência ou reestruturação forçada das dívidas da Evergrande serão locais. No entanto, a instabilidade da incorporadora mostra que o setor de construção civil, que responde por cerca de um terço do Produto Interno Bruto chinês e é um voraz consumidor de commodities, terá de desacelerar suas atividades por ordens do governo.
Para conter a especulação imobiliária e aumentar seu controle sobre a economia, as autoridades em Pequim vem endurecendo as regulamentações do sistema. No fim do ano passado, a determinação foi que os bancos emprestassem menos para o setor. E no fim de julho, novas restrições começaram a provocar quedas sistemáticas das ações das incorporadoras, a maioria listada nas bolsas de Hong Kong e de Shenzhen. Só os papéis da Evergrande amargam uma queda de quase 90 por cento desde o início do ano. Houve casos de empresas cujas ações desvalorizaram-se 85 por cento em um só dia.
O principal desdobramento disso será uma redução significativa na demanda chinesa por commodities, em especial minério de ferro. A China é o maior comprador mundial devido ao apetite por aço. Porém, mais da metade de todo o aço produzido no mundo destina-se à construção civil. Com os chineses construindo menos, a demanda vai cair e os preços também.
O FED endurece o jogo
Todos os trimestres, o Federal Reserve publica um gráfico com as expectativas de seus 18 diretores para os juros e a inflação no futuro. Apelidado “dot plot” por ser expresso na forma de pontos (“dots”), o gráfico costuma ser lido com reverência pelos investidores.
Na prática, sua confiabilidade tem de ser vista com algumas reservas. O “dot plot” indica apenas expectativas, e expectativas são fluidas e mutáveis. O levantamento é anônimo, então não é possível acompanhar mudanças nas opiniões dos formuladores de política monetária dos Estados Unidos. A edição mais recente, referente ao trimestre encerrado em setembro, mostra uma alteração nos prognósticos. Cresceu o número de diretores que espera que a alta dos juros americanos comece já em 2022, em vez de se iniciar em 2023, como as pesquisas vinham mostrando.
Os membros do Fed também alteraram as projeções para a economia americana. O crescimento previsto para este ano caiu para 5,9 por cento, ante uma projeção anterior de 7 por cento. A expectativa para 2022, porém, subiu de 3,3 por cento para 3,8 por cento.
E as mudanças não pararam por aí. Na quarta-feira (22), o Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano, anunciou sua decisão de manter os juros nos Estados Unidos perto de zero. No entanto, em sua tradicional entrevista coletiva concedida após a decisão, Jerome Powell, presidente do Fed, afirmou que uma redução na recompra mensal de títulos públicos e hipotecários pelo Fed poderia vir “antes do esperado”. E acrescentou que “provavelmente será apropriado” que esse processo esteja concluído ainda no fim do primeiro semestre de 2022, em apenas nove meses.
Um cenário mais “normal”?
A conclusão das mudanças na China e nos Estados Unidos é que o que se convencionou chamar “normal” nos últimos tempos vai mudar, e rápido. Mesmo antes da pandemia provocada pelo coronavírus, as principais economias vinham mantendo suas políticas monetárias expansionistas ou, na hipótese mais conservadora, neutras. Antes da pandemia, a política do governo chinês era de se legitimar por um crescimento econômico contínuo e o mais acelerado possível. Esse era o “normal”.
Agora, os modelos vigentes dos dois lados do Pacífico começaram a dar sinais de fadiga de material. Nos Estados Unidos, o raciocínio subjacente à redução das compras de títulos é que o Fed não pode continuar expandindo seu balanço indefinidamente sem colocar em risco sua própria credibilidade. O que aconteceria, só para se pensar em uma hipótese que ronda o impossível, se o emprestador de última instância precisasse de socorro? Por isso, mesmo com a enorme capacidade de alavancagem proporcionada pelo maior PIB do mundo, o Fed resolveu anunciar que há limites para sua própria expansão.
Na China, o endurecimento do governo com o endividamento bancário no fim de julho – e o aperto nas transações com criptomoedas, divulgado na sexta-feira (24) – mostram que o governo permanece o que tem sido há sete décadas: um governo comunista de partido único, que pode até permitir alguma liberdade empresarial, mas que não hesita em apertar as regras e endurecer a fiscalização se sentir que está perdendo o controle sobre a economia e a sociedade. Ainda que isso desacelere o crescimento e reduza o enriquecimento do país.
Essas mudanças tornaram-se nítidas em apenas uma semana, o que mostra que será preciso refazer contas e traçar novos cenários para que esse movimento das placas tectônicas da economia global não provoque um terremoto devastador nos seus investimentos. E, para isso, você pode contar com a equipe de analistas da Levante Ideias de Investimentos.
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Abraços,
Equipe Levante