Criação de vagas fica abaixo do esperado e isso não é necessariamente ruim. Entenda o porquê
O desempenho do mercado de trabalho nos Estados Unidos surpreendeu em setembro. Na sexta-feira (8), o Bureau of Labor Statistics (BLS), divulgou a criação de 194 mil postos de trabalho não-agrícolas, o “non farm payroll”. O resultado do mês passado ficou muito abaixo das projeções, que eram da abertura de 500 mil novas vagas.
Da mesma forma, na quinta-feira, o Ministério do Trabalho anunciou que o número de pedidos iniciais de seguro-desemprego, o “jobless claims” na semana encerrada no dia 2 de outubro foi de 326 mil pedidos, uma queda de 38 mil pedidos em relação à semana anterior. A média das quatro semanas é de 344 mil pedidos, levemente acima do resultado da semana anterior.
Por um lado, a criação de menos empregos do que o esperado é uma notícia ruim para a recuperação da economia. Por outro, a queda no número de pedidos de seguro-desemprego mostra que há menos americanos perdendo os empregos que conquistaram. Como interpretar essa contradição? Não adianta recorrer ao mercado: na sexta-feira o índice S&P de 500 ações fechou praticamente estável em relação à véspera.
Abaixo da pandemia
Setembro foi o nono mês consecutivo de aumento do nível de emprego nos Estados Unidos, embora o crescimento tenha ocorrido a uma taxa muito mais lenta do que o esperado. E mesmo depois de meses de crescimento, o nível de emprego total não voltou aos patamares anteriores à pandemia. Na ponta do lápis, o total de americanos empregados ainda está 3,1 milhões de pessoas abaixo de fevereiro de 2020, último mês antes de a pandemia começar a influenciar a economia.
Apesar da redução do número de contratações, a taxa de desemprego recuou para 4,8 por cento em setembro, ante 5,2 por cento em agosto. A disparidade se explica porque, tecnicamente, desempregado não é apenas quem não está trabalhando, mas também inclui quem procura emprego e não encontra. A queda na taxa de desemprego foi provocada pela baixa na taxa de participação da força de trabalho, indicando que mais pessoas estão dispostas a trabalhar.
Um número mais abrangente, que inclui o desemprego oculto pelo desalento – os trabalhadores que não saem para procurar emprego pois acreditam que não vão encontrar – caiu para 8,5 por cento, o nível mais baixo desde o início da pandemia.
Governo e setor privado
A disparidade dos dados divulgados e a reação praticamente neutra do mercado mostram que o emprego e o desemprego, indicadores fundamentais para sentir a vitalidade de uma economia, têm de ser observados de maneira desagregada.
Para começar, há uma disparidade entre o setor público e o setor privado. No setor público houve uma queda líquida de 123 mil postos de trabalho em setembro. A baixa deveu-se às demissões no setor de educação. Os departamentos educacionais municipais demitiram 144 mil pessoas, e os departamentos estaduais dispensaram 17 mil trabalhadores. Já o setor privado manteve o ritmo de contratação.
Assim, o que à primeira vista poderia ser encarado como uma notícia devastadora para a economia americana, com uma queda abrupta nas contratações, teve seu efeito negativo sobre os mercados atenuado pelo vigor do setor privado. Ou seja, a economia não está tão mal, apesar de o setor público ainda não ter concluído seu processo de ajuste pós-pandemia.
Homens e mulheres
Há mais detalhes que devem ser considerados. Por exemplo, as demissões no setor educacional repercutiram pesadamente sobre os empregos das americanas. Cerca de 350 mil mulheres com idade a partir de 20 anos perderam seus empregos em agosto e em setembro. Nesse período, 321 mil homens foram contratados. Assim, o total de americanas empregadas ainda está 2 milhões abaixo dos níveis anteriores à pandemia, e esse déficit é o dobro do déficit dos trabalhadores homens.
Há mais fatores a ser analisados. Por exemplo, há um movimento de “reciclagem” dos empregados. A aproximação do fim do auxílio emergencial americano faz com que trabalhadores menos qualificados, que recebem salários mais baixos, se animem a procurar emprego. Em um cenário no qual o auxílio do Estado supre a maior parte das necessidades, faz sentido poupar-se do desgaste do trabalho. Com o fim desse benefício, não resta alternativa a não ser encarar o mau humor do chefe.
Isso também vai reduzir a pressão de alta dos salários. A escassez de mão-de-obra decorrente do auxílio obrigou os empregadores em potencial a oferecer salários maiores. O aumento da oferta de trabalhadores deve aliviar essa pressão.
E, como se não bastasse, ainda há um “efeito renda” decorrente da alta dos mercados acionários e de criptomoedas, que exibiram fortes valorizações ao longo dos últimos meses, pressionados pelo aumento da liquidez. A inflação, mesmo tendo acelerado recentemente, não subiu no mesmo nível. Assim, há trabalhadores americanos com um “efeito riqueza” que lhes permite esticar a folga.
O impacto nos juros
Variáveis demais? Com certeza. E a grande dúvida é como o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, vai interpretar esse números. Em setembro, na mais recente reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano, Jerome Powell, presidente do Fed, disse que a economia americana já estava praticamente recuperada.
A questão, disse Powell, é quando o nível de emprego vai mostrar a mesma recuperação. “Não precisa ser uma recuperação arrasadora, uma melhora razoável é suficiente para mostrar que a economia se recuperou”, disse ele. O resultado divulgado na sexta-feira pode ser considerado uma recuperação razoável, devido ao número de contratações do setor privado.
Na avaliação dos analistas da Levante Ideias de Investimento, os dados do emprego de setembro serão considerados pelo Fed como suficientes para desacelerar a injeção de recursos na economia. O chamado “tapering”, que indica a redução das compras mensais de 120 bilhões de dólares em títulos, sendo 80 bilhões em papéis públicos e 40 bilhões em papéis hipotecários, pode começar ainda neste ano.
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Abraços,
Equipe Levante