Aqueles que me acompanham, sabem: eu odeio falar sobre o mesmo assunto várias vezes.
É cansativo para quem escreve, monótono para quem lê. Claro que existem alguns temas que precisam ser encarados de frente e debatidos à exaustão. Caso, por exemplo, da reforma da Previdência e da reforma tributária.
Assim, caminhava eu para mais um texto criticando o nosso ilustre presidente da República, Jair Bolsonaro. Matéria-prima não falta. Pensei em analisar a relação Moro-Bolsonaro, mas confesso que não consegui. Não houve avanço no texto. Cansada, minha mente recusou o assunto – já ficou chato falar mal do presidente.
Nesse meio tempo, tive a enorme felicidade de assistir ao painel “Condições para a retomada do crescimento“, do BTG Macro Day. Nesta ocasião, Marcos Lisboa – o melhor economista da atualidade brasileira, na minha visão – teve a coragem de criticar a péssima proposta do governo para reformar o sistema tributário. De verdade, taxar imposto sobre transação financeira é um retrocesso. Assusta que Paulo Guedes tenha abraçado a ideia.
Em tempo, prometo não só criticar: vou abordar nas próximas colunas o tema da reforma de maneira mais abrangente, buscando explicar as propostas que estão na mesa e apontar quais fazem mais ou menos sentido para a retomada do crescimento do Brasil. Disclaimer: não sou nenhum tributarista, nem economista sou. Portanto, peço licença poética caso tenha alguma imprecisão na minha análise.
CPMF feelings
Basicamente, a reforma tributária do governo tem três pilares: a) mudanças no Imposto de Renda para PF e PJ; b) desoneração da folha de pagamentos; e c) IVA federal. O imposto sobre transações financeiras entraria, portanto, para compensar a perda arrecadatória em função da desoneração da folha. Tudo isso é informação dada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.
A reforma tributária é um ótimo instrumento para corrigirmos distorções que geram perda de produtividade. Essas perdas, inclusive, diminuem o ritmo potencial de crescimento da nossa economia. O que me leva a contestar a ideia de criação de um imposto sobre transações financeiras (CPMF feelings, alguém?), justamente porque é provado que esse tipo de imposto é um dos que mais trazem externalidades para a economia. Ou seja, estamos “resolvendo” um problema com a criação de outro.
Na brilhante apresentação, Lisboa cita um artigo recente de um brasileiro chamado Felipe Restrepo, cujo tema é, justamente, os efeitos da taxação sobre transações financeiras sobre o crédito bancário e o crescimento da indústria, com evidências empíricas recortadas da América Latina. Temos experiências como a brasileira (CPMF), a argentina (que dura até hoje), a colombiana (idem), entre outras. Fui atrás dele para ler.
O estudo demonstra que, apesar das diferenças (desprezíveis, do ponto de vista macroeconômico) entre as taxas e a arrecadação decorrente do tributo nos países da América Latina, existe, sim, efeitos perversos sobre a economia. O tributo sobre transações financeiras (bank account debit tax, no texto) seria uma medida tributária interessante para o governo. Logicamente porque é bastante eficiente e nada custoso. É um modo de arrecadar dinheiro que não permite muita evasão fiscal e ainda atinge os trabalhadores informais e desempregados.
Hipóteses e resultados
São duas hipóteses que o autor traz: 1) se há efeito negativo do tributo na oferta de crédito bancário para o setor privado; e 2) qual o efeito (se é que há) da menor oferta de crédito para indústria com alta dependência de financiamento. As respostas: 1) sim, a introdução deste tributo incorre na redução da provisão de crédito para o setor privado; e 2) o efeito da redução na oferta de crédito afeta negativamente o crescimento econômico, na medida em que reduz o potencial de crescimento, pelo menos, das empresas mais ligadas à necessidade de crédito de terceiros.
Além disso, há uma outra externalidade bastante perversa de um tributo nos moldes da CPMF. Como o autor observou, a implementação da taxa acarreta um aumento forte de demanda por papel moeda. Por consequência, evita-se assim o uso de transações bancárias – “bypassando o mercado financeiro”, como bem disse Lisboa.
Nesse sentido, perde-se poder arrecadatório do tributo em certo grau, o que já demonstra que a medida não é tão eficiente como antes pensada. Prova disso é que, atualmente, poucos países no mundo têm algo na linha de tributação de transações financeiras. Exemplo: Hungria, Argentina e – que ironia – Venezuela.
Concluindo: que alguém tenha a santa coragem de interpelar Paulo Guedes e sua equipe para que a ideia não seja levada adiante. Existem outras propostas da mesma, ou até de melhor, qualidade para o nosso nocivo sistema tributário. Para quem quiser um maior detalhamento, sugiro ir direto às fontes. Aqui, para a fala de Marcos Lisboa no BTG Macro Day. E aqui, para o artigo do Felipe Restrepo.