O mercado tem vivido um período de aversão ao risco em que chama atenção a pressão altista na curva de juros, mesmo com a indicação, pelo menos para as próximas reuniões do Copom, de mais cortes de 0,5 ponto na Selic. Movimento que tem relação com a alta dos juros dos Treasuries, títulos americanos, com a previsão de mais alta das taxas pelo Federal Reserve. O mercado até teve um respiro com o PIB dos EUA, que avançou 2,1% no segundo trimestre, em linha com as expectativas e números que mostraram um certo alívio na inflação. Mas só um respiro mesmo, porque o FED tem ressaltado muito o fato de a inflação permanecer bem acima da meta, sem esquecer das preocupações presentes, nos últimos dias, com o risco de shutdown, já que mais uma vez o governo Biden foi colocado contra parede na questão do aumento dos gastos.
Ainda do cenário externo, tem a preocupação com a desaceleração do crescimento chinês e a alta do petróleo, mais que de outras commodities, que pode dificultar a tarefa global de controle da inflação, com aumento do custo da energia, dos preços dos combustíveis. Aqui, a Petrobras já avisou que, por enquanto, ainda consegue segurar o repasse. Mas combustíveis já foram o principal fator de pressão na alta de 0,35% no IPCA 15 de setembro.
Todos esses fatores, como citei, estão mexendo com a curva de juros no Brasil, além de colaborar para a alta do dólar, novamente na faixa dos R$ 5,00, gerando mais preocupações com possíveis pressões inflacionárias.
Mas temos outras questões locais e a fiscal é um dos destaques. Há uma aposta crescente na possibilidade de o governo alterar a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024, dadas as dificuldades de garantir a receita extraordinária, agora até pela paralisação de votações, das medidas propostas com essa finalidade, no Congresso. A dificuldade política que persiste apesar da reforma ministerial. Partidos e o presidente da Câmara ainda querem maior participação em órgãos públicos, fora liberação de emendas. Só que, mesmo que as medidas andem, as contas podem não fechar. Motivo de alerta até do Copom na ata da última reunião. As metas inflacionárias, em boa medida, estão atreladas ao cumprimento das metas do arcabouço. Campos Neto, presidente do BC, ao falar de expectativas dos agentes econômicos, até admite algum estouro da meta fiscal, mas ressalta a necessidade de o governo mostrar esforço no sentido do ajuste das contas. E contas que seguem piorando, com déficit primário de R$ 104,59 bilhões de janeiro a agosto deste ano.
Aliás, foi destaque da semana o encontro entre o presidente Lula e Campos Neto, após todas as duras críticas do presidente aos juros, à política do BC, questionando até a independência da instituição. Roberto Campos Neto pode ser importante aliado ddo ministro Haddad na defesa de ajuste das contas públicas, até junto ao Congresso. Quanto aos juros, se sabe que só retórica contrária não adianta. Além do controle da inflação, o governo pode colaborar para um cenário mais propício aos cortes se entregar melhores resultados fiscais.
Por ora, diante de todos os problemas que citei, ficam dúvidas quanto ao ponto de chegada do ciclo de corte dos juros em 2024. A Selic deve fechar este ano em 11,75%. Mas só deve bater nos 9%, no próximo, se houver convergência das previsões de inflação para as metas, ainda que a meta inflacionária passe a ter horizonte maior, não mais o ano calendário, e se o arcabouço fiscal não for comprometido. Por outro lado, Campos Neto também alertou para a alta dos juros nos Estados Unidos, que eleva a barra para cortes maiores aqui.
Nesse contexto ainda tem de se levar em conta as condições de crescimento da economia que surpreendeu positivamente no primeiro semestre e ainda pode ter sustentação, acima do previsto, pelo mercado de trabalho, que mesmo com desaceleração da geração de vagas mantém a massa salarial em alta, e os programas do governo. A expansão do consumo e da atividade, ainda que positiva, pode dificultar maior desinflação.
Por todas essas incertezas – e a lista é longa e cansativa – é bem provável que o mercado mantenha a instabilidade, com momentos mais favoráveis, por um ou outro dado que gere expectativas mais otimistas. De certo tem o corte de rendimento na renda fixa, que já citei em outras ocasiões, recomendando reposicionamento dos investidores.