A semana de decisões sobre os juros no Brasil e nos Estados Unidos não trouxe maiores surpresas. As decisões foram as previstas pela maior parte do mercado. Uma parada nas elevações das taxas nos EUA – a segunda do ano após um ciclo de dez altas seguidas e aumento de 0,25 na reunião anterior. Taxas agora entre 5,25% e 5,50%. Aqui, o Copom, como já tinha sinalizado na reunião anterior, cortou a Selic em 0,5 ponto para 12,75% aa, antecipando novos cortes da mesma magnitude para as próximas reuniões. Parece tudo dentro do esperado, mas os comunicados trouxeram algumas condicionantes que podem produzir desvios nas trajetórias que vêm sendo traçadas.
Nos Estados Unidos, a inflação, nas projeções do FED, ainda deve continuar rodando acima da meta de 2% por um bom tempo. Resiliência que deixa aberta a possibilidade de alguma elevação adicional este ano e manutenção de juros elevados por maior período. O mercado de trabalho com números ainda robustos pode continuar dificultando uma queda mais rápida da inflação. No ano que vem deve haver algum corte dos juros, só que, provavelmente, menor que os analistas andavam prevendo. Essa perspectiva incerta dá margem pra muitas oscilações dos mercados na medida em que forem saindo novos indicadores.
No Brasil tudo indica que vamos fechar o ano com a Selic em 11,75%, com cortes de 0,5 ponto nas duas próximas reuniões. No ano que vem o ritmo tende a ser mantido, porém não dá pra ter certeza quanto ao ponto de chegada do ciclo de cortes, nem com uma eventual mudança no tamanho dos cortes, dadas algumas incertezas no cenário macroeconômico interno e externo.
Entre as incertezas está o próprio comportamento da inflação que, no geral, até vem surpreendendo favoravelmente. O IPCA de agosto, abaixo do previsto, com queda do custo de alimentação e dados melhores de serviços, provocou, inclusive, novo recuo das projeções para o ano, após três semanas de alta no relatório Focus. Só que temos a economia, por enquanto, com as previsões de expansão sendo revistas para cima, como se verificou, nesta semana, no Focus, no Boletim Macrofiscal do Ministério da Fazenda e no relatório da OCDE. Mercado de Trabalho, desempenho do agro, programas de transferência de renda, reajuste do salário-mínimo têm dado boa sustentação à atividade, embora haja movimentos setoriais desiguais. É fato que a fase sazonal de maior influência do agro passou, o que até reforça a expectativa de desaceleração da atividade neste segundo semestre, só que agora pode vir o impacto, mesmo que ainda modesto e com defasagem, do corte dos juros. Condição que pode favorecer a demanda e reajustes de preços. E ainda tem a mudança do comportamento do dólar, até por influência externa, além das pressões de preços globais, como citou o comunicado do Copom.
O petróleo tem sido motivo de preocupação, com a alta das últimas semanas, diante de cortes da oferta que não devem ser alterados. A queda dos preços de alimentos e uma certa acomodação dos serviços têm ajudado, por enquanto, a acomodar essa pressão. A mudança da política de preços da Petrobras também tende a amenizar o repasse de toda a alta externa dos preços. Mas até certo ponto, já que a proposta orçamentária do governo para 2024 andou engordando a receita proveniente das estatais. Isso inclui os resultados a serem obtidos pela Petrobras, mesmo que o reajuste dos combustíveis contrarie o discurso do governo. Ainda sobre os preços, por mais que a China venha causando frustração, não se pode desconsiderar os efeitos de estímulos do governo sobre o ritmo de expansão, o que também pode ter impacto sobre as commodities, assim como os reflexos das condições climáticas nas lavouras. A inflação vem em rota favorável, mas a confirmação das previsões mais otimistas tem todas essas condicionantes.
Ainda com relação às incertezas domésticas, importante não esquecer a questão fiscal, como salientou o comunicado do Copom, ainda tentando passar confiança quanto às metas previstas no arcabouço. No entanto, reforçou a importância da “firme persecução” das metas fiscais. Na prática, o mercado tem dúvidas crescentes quanto à capacidade de o governo garantir a receita extraordinária necessária para zerar o déficit no próximo ano, mesmo com o pacote de medidas tributárias encaminhado ao Congresso, sem esquecer das pressões por mais gastos, que o ministro Haddad até citou como alvo de atenção em declarações recentes. Eventuais mudanças quanto aos resultados fiscais podem interferir no ritmo dos juros.
Nesse pacote de incertezas quanto à evolução da Selic ainda é preciso considerar a evolução dos juros nos Estados Unidos que, como destaquei de início, também não está definida, com o FED dando indicações de manutenção de juros altos por mais tempo.
A cautela do Copom quanto a todos esses fatores, em certa medida, se reflete na intenção de manter uma política ainda contracionista, que, por enquanto, é compatível com à manutenção dos cortes de 0,5 da Selic. Isso esfria um pouco a expectativa de parcela do mercado quanto a possíveis cortes de 0,75. Isso até poderia ocorrer, no caso de uma trajetória bem mais benigna da inflação que, por ora, não está no radar, embora um IPCA abaixo das projeções, como o de agosto, sempre traga alguma animação maior, até exagerada.
Vale ressaltar que a reação do mercado no pós quarta de decisões já revelou mais apreensão quanto a política de juros nos EUA e a influência que pode ter sobre fluxo de investimentos e a própria política do BC. Pé no freio da animação, com necessária revisão dos preços dos ativos e redefinição de estratégias para a renda fixa. A dosagem de 0,5 ponto de cortes da Selic, embora possa não ter impacto mais relevante no custo geral do crédito e na atividade, já mexe, por exemplo, com a remuneração das aplicações prefixadas e as atreladas à inflação.