O mercado tem dado um voto de confiança em meio às incertezas que persistem quanto à política econômica a ser adotada pelo governo Lula e as implicações fiscais. A PEC da transição que causou tanto alvoroço quando foi apresentada, na aprovação pelo Senado, não teve maior impacto. É certo que houve corte em relação à proposta inicial de ampliação do teto de gastos. Só que a PEC, aprovada na primeira etapa, inclui algumas flexibilizações que asseguram despesas adicionais que, no total, podem chegar a algo em torno do R$ 200 bilhões. Foi uma aprovação que demonstrou ainda grande capacidade de articulação da equipe capitaneada por Lula, já que os votos superaram muito o necessário, o que era previsto, incluindo os de alguns bolsonaristas.
Agora vem a próxima etapa, na Câmara, onde Artur Lira tem sinalizado possíveis obstáculos. A votação está marcada para a próxima semana, mas já houve queixas pelo fato de os deputados não terem participado mais diretamente no que foi definido no Senado e tem a preocupação quanto à postura do PT em relação à discussão, pelo STF, do orçamento secreto. A suspeita que o PT possa apoiar uma decisão que suspenda as emendas de relator pode ser um entrave na tramitação da PEC.
Só é bom observar que a destinação dos recursos liberados para gastos não está carimbada e uma boa parcela será alocada junto com as bancadas temáticas. E há possibilidade de aprovação de projetos alternativos para incluir as emendas no orçamento de forma que não haja questionamento, pelo menos, do ponto de vista fiscal.
A expectativa, no final das contas, é de aprovação da PEC também na Câmara, até porque também está na mesa de negociações a formação do futuro Ministério e ocupação de cargos, mesmo com uma parte já sendo anunciada. Mais que a frente que o apoiou no segundo turno, Lula quer uma base bem mais ampla, que pode começar a ser delineada com lideranças antes da posse dos novos parlamentares, que tendem a exercer oposição mais forte. A boa margem da votação no Senado já pode ser até um indicativo de bons resultados nesse sentido.
Quanto às incertezas, fora a PEC, ainda se aguarda a formação das equipes de governo, não só de ministros, e das políticas que pretendem implementar. Entre essas políticas, a futura atuação do BNDES, onde já se discute a taxa que substituiu a subsidiada TJLP; a de preços dos combustíveis, das estatais, as reformas que serão propostas e o tão esperado arcabouço fiscal, com ruídos sobre a MMT, que poderia levar a uma política de crescimento alavancada por aumento de gastos, sem maiores preocupações, em princípio, com o avanço da dívida pública.
Diante dessas incertezas, se vê o Banco Central mais vigilante e em alerta quanto às manobras da futura equipe, agora com a independência que garante liberdade para ajustes dos juros, no caso de surgimento de novas pressões inflacionárias, relacionadas a um eventual menor compromisso fiscal. Importante ressaltar que a voz dominante da transição é de responsabilidade, sempre ressaltando o que ocorreu no primeiro mandato de Lula.
A aceitação da PEC também tem a ver com a constatação das dificuldades orçamentárias, das restrições impraticáveis colocadas pelo teto de gastos, nas condições atuais da economia, e da necessidade de reestruturação das várias áreas de governo e da própria política econômica. Desta vez, Lula não vai encontrar um caminho bem pavimentado como ocorreu em 2003, no embalo do bem sucedido Plano Real que, mesmo assim, foi alvo de grandes reclamações.