As sinalizações quanto aos juros não trouxeram maior tranquilidade para os mercados. Tivemos até a situação inédita de o Brasil interromper o ciclo de alta enquanto o Federal Reserve, nos Estados Unidos, sinaliza mais ajustes. Nesse aspecto a diferença é que o Brasil saiu na frente tanto no aperto da política monetária como na adoção de medidas mais específicas de controle de preços, que conseguiram até produzir uma deflação de curto prazo, melhorando as projeções para o ano. Mas o cenário ainda é de incertezas.
No Brasil, o Copom optou por interromper o ciclo de alta, o mais longo em 23 anos, para observar os impactos do ajuste promovido até agora, sem descartar possíveis novos aumentos, caso não haja a esperada convergência das projeções para algo mais próximo das metas de 2023 e 2024. Aliás, a decisão de parar não foi unânime entre os integrantes do Comitê. Ainda há muita preocupação com a dinâmica da inflação, que cedeu, principalmente, em função do corte do ICMS e o impacto sobre combustíveis e energia; e com a questão fiscal. Embora as contas públicas possam fechar este ano numa configuração bem melhor que se esperava, inclusive na relação dívida/PIB, há muitas dúvidas para o próximo ano, por uma série de fatores, como os gastos sociais, pressões por reajustes do funcionalismo, precatórios, desonerações, menor geração de tributos, com a desaceleração de atividade e inflação mais baixa, sem se descartar possível queda da receita via exportações de produtos básicos, pela esperada retração global. Retração que pode vir com os ajustes mais pesados dos juros nos Estados Unidos, Europa e Reino Unido, para conter a inflação que segue no patamar mais alto em décadas. No contexto externo ainda é preciso considerar mais efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, como a crise energética, que pode se agravar na Europa, e as ameaças de Putin até de uso de força nuclear. Pode ser retórica, mas demonstra uma imensa insatisfação do líder russo com a evolução do conflito e os problemas internos que vem causando a ele, que podem levar a ofensivas mais pesadas.
O Federal Reserve, apesar de ter elevado os juros em 0,75, não confirmando as previsões mais pessimistas de aumento da dosagem, deixou clara a possibilidade de um aumento total de maior magnitude, colocando as taxas em nível mais próximo dos 5% em 2023. A inflação se mantém em patamar distante da meta de 2%, com o mercado de trabalho vigoroso, não só na geração de vagas, que já caracteriza situação de quase pleno emprego, mas também na elevação da renda.
A Europa e Reino Unido, mesmo com a vulnerabilidade maior decorrente da questão energética, também tente a combater a inflação com maior aperto monetário, ampliando os riscos de freada mais intensa da atividade.
O mundo ainda paga as contas dos desequilíbrios decorrentes da pandemia, que comprometeram até o potencial de expansão da economia chinesa, agravados em vários aspectos pela guerra. Ficam dúvidas quanto ao ritmo de atividade, demanda e evolução dos preços de commodities no âmbito global.
Situação que, como já citei, pode ter desdobramentos também para o Brasil. Commodities em alta podem renovar pressões inflacionárias; em queda, pioram a receita tributária e dos setores envolvidos, como minério, petróleo e até alimentos. E os juros em alta no exterior, mesmo com todo o diferencial das taxas praticadas aqui, podem mexer com o fluxo de investimentos, impactando dólar e Bolsa. Nesse aspecto ainda temos todos os questionamentos relacionados às eleições e ao programa do futuro governo, a forma como irá lidar com a área fiscal.
Qualquer preocupação adicional com a gestão da economia doméstica amplia o potencial de impacto das condições externas. Isso só não tem pesado mais porque, mesmo em meio a muitas promessas, os principais candidatos têm falado também em responsabilidade fiscal e reformas. É esperar que tenhamos mesmo um encaminhamento responsável dos desafios que se desenham para o próximo ano.