O mundo segue observando dados de atividade, torcendo pela reversão de perdas que vieram com a Covid e a guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas temendo que a retomada gere mais inflação, um dos maiores desafios globais. Também um problema decorrente desses eventos, além de outros, como as condições climáticas. É o que temos visto nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, onde governos e bancos centrais ainda vacilam no corte de estímulos e no ritmo de elevação dos juros, temendo produzir danos mais severos sobre a atividade.
Nos Estados Unidos há um enfraquecimento do setor imobiliário, mas com um mercado de trabalho forte, que ainda sustenta bons níveis de consumo, embora outros segmentos, como de automóveis, mostrem enfraquecimento. De acordo com o Livro Bege, divulgado nesta semana, a atividade econômica dos EUA ficou inalterada desde o começo de julho e apesar de alguma moderação no nível de aumento de preços, permanecem aumentos substanciais de alimentos, aluguéis, utilidades e hospedagem. De favorável tem a queda dos combustíveis, relacionada à baixa do petróleo, que colabora para recuo de outros custos, como fretes. Cenário que não alivia a perspectiva de ajustes mais fortes das taxas pelo Federal Reserve. Um aumento de 0,75 já está precificado para a próxima reunião.
Na Europa, o BCE, que demorou mais para elevar os juros, promoveu o segundo aumento em 10 anos, acelerando a alta de 0,50 para 0,75 pontos, acenando com novos ajustes nas próximas reuniões, para derrubar a inflação, anualizada em 9,1% até agosto. Decisão difícil em função dos riscos maiores de recessão com a crise de energia que o Continente enfrenta, diante das restrições na oferta de gás da Rússia. Tanto que governos de vários países elaboram pacotes de ajuda para empresas e famílias e o bloco tenta definir estratégias emergenciais para a crise energética.
Vale observar que a perspectiva de retração da atividade nos EUA, na Europa e também na China tem colaborado para a baixa de preços, especialmente do petróleo, que trouxe esse leve alívio das pressões de preços provenientes de algumas commodities, como o petróleo, mas sem produzir desinflação mais relevante. Na China, exceção na briga global contra a inflação, a perda de ritmo da atividade está mais relacionada às restrições da política de Covid zero e à crise de energia pela falta de chuva, embora também enfrente problemas na área imobiliária.
Nesse contexto temos o Brasil avançando mais no controle da inflação, por estratégias específicas, como o corte do ICMS sobre combustíveis e serviços, como energia, sendo que a baixa do petróleo ainda permitiu cortes adicionais dos preços. As projeções para o IPCA vêm em queda há várias semanas e atravessamos uma fase de deflação até dos IGPs. Mas falta consistência maior na queda dos índices, o que levou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a afirmar que não pensa em queda dos juros neste momento, reafirmando que a situação inspira cuidados e a batalha contra a alta de preços não está ganha. Isso bastou pra trazer de volta ao radar a possibilidade de um ajuste adicional da Selic, hoje em 13,75%, na próxima reunião do Copom. Se sabe da intenção do Comitê de produzir uma convergência das expectativas de inflação para as metas, mesmo com alguma flexibilidade do horizonte, que já incluiria o começo de 2024. Sendo que restam dúvidas também quanto às condições fiscais de 2023, que podem resultar em mais pressões de preços.
Portanto, o que temos, como ressaltei de início, é o mundo preocupado em controlar a inflação, muito nociva do ponto de vista econômico, social e até político, interferindo até na avaliação de governos, com manifestações mais sérias, que vão além da queda de popularidade. Só que, por outro lado, tem a cautela quanto aos impactos desfavoráveis que medidas mais sérias de controle da inflação, como a alta dos juros, possam ter sobre a atividade, podendo também resultar em crises mais sérias. Definir a dosagem e o timing dos ajustes é tarefa das mais difíceis. Sendo que já há muito questionamento quanto à demora das iniciativas nesse sentido, decorrente de uma equivocada avaliação inicial de que as pressões inflacionárias seriam passageiras. Hoje se discute até se não estamos em um ciclo de inflação persistentemente mais elevada.
O jogo de apostas tende a continuar pressionando os mercados, alternando movimentos da curva de juros, das Bolsas e do câmbio, aqui e no exterior. Até porque sinalizações, como do FED, que tem assumido tom mais duro, têm implicações globais. Não sem motivo o euro tem testado valores abaixo da paridade com o dólar. Podemos até dizer que o nosso mercado anda resistindo bem às incertezas, entre as quais está a proximidade das eleições.