O cenário global está dominado por mais incertezas desde o começo da etapa de maior escalada dos conflitos entre Rússia e Ucrânia e as reações que têm provocado. Mesmo que o mercado, em certos momentos, conte com algum entendimento diplomático, com um cessar fogo, o fato é que o conflito ainda pode se agravar e durar um bom tempo, assim como os desdobramentos econômicos.
Um dos principais impactos é sobre a inflação, que já era um problema global, pelos desequilíbrios entre oferta e demanda produzidos pela pandemia, além de outros fatores. Mas agora, tanto pelo comprometimento da produção como pelas sanções impostas à Rússia, há fortes pressões de preços sobre o petróleo, gás, commodities metálicas e alimentos, sem esquecer dos fertilizantes e outros insumos.
Tudo isso reforça a pressão sobre os bancos centrais, que planejavam ou já vinham implementando alterações nas políticas monetárias. E os ajustes tendem a prosseguir mesmo que a guerra tenha potencial para afetar até o crescimento global. Pode haver alguma mudança na calibragem dos ajustes dos juros. Nos Estados Unidos, por exemplo, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, já sinalizou uma possível alta de 0,25 agora em março, inferior às expectativas que estavam mais para 50 pontos, embora ainda se conte com elevação de 175 no ano. Para o Brasil, onde a inflação já apontava para outro estouro do teto da meta, as previsões agora são de um ciclo mais longo com ajuste total maior da Selic. As projeções chegam a 13%.
Surpreendentemente, esse cenário tem permitido uma confiança maior quanto às condições para o mercado local manter um comportamento mais favorável. De um lado, a alta das commodities pode assegurar um bom desempenho para a Bolsa, muito alavancada pelos papéis de empresas que atuam no segmento, embora muitos setores possam ter piora da performance. Mas as exportações podem dar maior retorno. De outro, a elevação dos juros pode ampliar o diferencial entre as taxas praticadas no exterior, mantendo boa atratividade para o capital externo, mesmo que haja algum aumento do risco. Ainda é preciso considerar que o Brasil pode “pegar” o investidor que está saindo da Rússia, onde as restrições financeiras, como as que congelaram reservas e vão desconectar os bancos da Swift, podem se estender às criptomoedas, produzindo maior isolamento financeiro do país, além do comercial e do político.
Só não se deve contar demais com esse ambiente “favorável” ao mercado local. Afinal, ainda é grande a incerteza quanto ao peso que a crise financeira, que os países ocidentais tentam provocar na Rússia, como estratégia de persuasão contra a guerra, terá sobre a economia e o mercado mundial. Não se deve desconsiderar também os reflexos da inflação e dos juros mais altos sobre a nossa economia, que já convive com o risco de alguma retração neste ano, fora as incertezas fiscais e as relacionadas às eleições. Os cortes de tributos sobre produtos industriais e agora até sobre jet ski, balão e dirigível, além das discussões sobre os combustíveis, estão aí para nos lembrar do imediatismo de resoluções em ano de eleições.
O investidor deve aproveitar as oportunidades que estão surgindo, só que o atual cenário recomenda algum conservadorismo no portfólio, com títulos pós fixados e os atrelados à inflação. E vamos torcer para que algum bom senso prevaleça neste que é um dos momentos mais complicados que o mundo enfrenta em décadas, sem ter sequer se recuperado do trauma imposto pela pandemia nos vários aspectos.
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Leia a última coluna da Denise Campos de Toledo: Conflito na Ucrânia amplia incertezas globais e para o Brasil.