Há momentos em que uma notícia aparentemente sem importância é a melhor descrição de uma situação. Foi o caso da sexta-feira (24), quando o Uber anunciou o descadastramento de alguns de seus motoristas devido ao cancelamento excessivo de viagens.
Qualquer pessoa que tenha se servido do transporte por aplicativo nas últimas semanas percebeu que o número de motoristas dispostos a prestar serviços diminuiu. A redução da oferta permite que eles sejam mais seletivos na hora de atender a demanda. Os cancelamentos de viagens não ocorrem por acaso.
O argumento da associação que representa os motoristas é que os preços da gasolina e do etanol subiram muito e que, com as tarifas congeladas – ou reajustadas por um percentual menor – não compensa tanto fazer viagens. Por isso os motoristas estão mais seletivos.
O argumento dos motoristas de aplicativo pode ser viesado. Então, vamos buscar um número mais neutro. Segundo dados da ANP (Associação Nacional de Petróleo), entre janeiro e agosto deste ano, o Brasil consumiu 36,6 bilhões de litros de combustíveis líquidos – gasolina, diesel e etanol. Isso representa uma queda de 7,1% ante os 39,4 bilhões de litros do mesmo período de 2019 – não compensa comparar com os dados do ano da pandemia.
Mesmo assim, a alta da arrecadação do ICMS (Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) de 2021 em relação a 2019 foi de 4,5%.
Repetindo, para ficar claro: apesar de os brasileiros terem consumido menos combustíveis, os Estados arrecadaram mais impostos. Isso ocorre porque o ICMS é calculado sobre um percentual do preço de bomba e o valor em reais cobrado pelos Estados aumenta na mesma proporção dos preços.
Os preços dos combustíveis têm subido sistematicamente, e isso não é um fenômeno brasileiro. Boa parte da causa vem da China. Em uma preparação para os Jogos Olímpicos de inverno, no ano que vem, o país asiático determinou uma redução do uso de combustíveis fósseis para gerar energia. Isso reduziu a produção de carvão, e os preços subiram. Um fenômeno parecido ocorreu com o petróleo.
Nesta terça-feira (28), as cotações do Brent superaram US$ 80 por barril, nível mais alto em várias semanas. E os preços do gás também estão subindo. A Rússia, principal fornecedor da Europa Ocidental, vem reduzindo a oferta para pressionar por uma alta de preços.
Tudo isso eleva as cotações e esse efeito é sentido nas bombas de combustível e nas contas de eletricidade. No caso brasileiro há dois agravantes. Um deles é a alta do dólar, que pressionaria os preços aqui, ainda que as cotações estivessem estáveis lá fora.
Outro é a crise hídrica, que reduz a vazão dos rios e obriga as geradoras de energia a recorrer a gás e a petróleo. Além de mais caros, eles aumentam a demanda e fazem os preços para o consumidor de varejo subirem mais ainda.
Isso não passou desapercebido para o Copom (Comitê de Política Monetária), que divulgou, nesta terça-feira (28), a Ata de sua 241ª reunião.
Segundo o texto, “a inflação ao consumidor segue elevada. A alta nos preços dos bens industriais (…) ainda não arrefeceu e deve persistir no curto prazo. (…) Adicionalmente, persistem as pressões sobre componentes voláteis como alimentos, combustíveis e, especialmente, energia elétrica, que refletem fatores como câmbio, preços de commodities e condições climáticas desfavoráveis.”
Apesar de considerar que “questionamentos dos mercados a respeito dos riscos inflacionários nas economias avançadas podem tornar o ambiente desafiador para países emergentes”, o Copom considera que, em 2022, o crescimento da economia [brasileira] será beneficiado por três fatores: 1) a recuperação do mercado de trabalho e do setor de serviços, 2) o bom desempenho da agropecuária e da indústria extrativa; e 3) resquícios do processo de normalização da economia conforme a crise sanitária arrefece.
E o Copom foi mais enfático do que seria de se esperar ao afirmar que os juros vão subir, mas devagar. “O estágio atual do ciclo de ajuste é caracterizado por uma política monetária contracionista, evidenciado pela diferença das expectativas para as trajetórias da taxa de juros e da inflação. (…) [S]imulações com trajetórias de elevação de juros (…) sugerem que o atual ritmo de ajuste é suficiente para atingir patamar significativamente contracionista e garantir a convergência da inflação para a meta em 2022, mesmo considerando a assimetria no balanço de riscos. (…) O Copom concluiu que, neste momento, a manutenção do atual ritmo de ajuste associada ao aumento da magnitude do ciclo de ajuste da política monetária para patamar significativamente contracionista é a estratégia mais apropriada para assegurar a convergência da inflação para as metas de 2022 e 2023.”
E Eu Com Isso?
Os contratos futuros de Ibovespa e do índice americano S&P 500 iniciam o dia com quedas significativas, devido à alta dos títulos do Tesouro americano, com expectativas ruins para o desenvolvimento da economia.
As notícias são negativas para o mercado.
—
Este conteúdo faz parte da nossa Newsletter ‘E Eu Com Isso’.
—