Expressão largamente utilizada nos noticiários e na política brasileira, especialmente nesta última década, a “Terceira Via” foi consagrada a partir de teoria elaborada por um renomado sociólogo britânico, Anthony Giddens.
Com base em outras contribuições anteriores para o pensamento sociológico contemporâneo e reflexões sobre a contemporaneidade, Giddens escreveu um livro essencial para a consolidação do conceito de terceira via, principalmente, na Europa, Estados Unidos e América Latina.
Intitulada “Para além da esquerda e da direita – o futuro da política radical” (1994), a obra trouxe críticas sobre governos socialistas e liberais/neoliberais do século XX, na esteira do pensamento Hobsbawniano, suas ideias com a Era dos Extremos – curiosamente, publicado neste mesmo ano – e os “alicerces estranhamente irregulares” em que se basearam os regimes da época.
Com enfoque nos modelos econômicos defendidos pelas duas correntes, a Terceira Via de Giddens construiu uma alternativa para fugir da dicotomia instaurada entre políticas liberais sociais. A corrente apresentou uma conciliação prática entre o capitalismo de livre mercado e o socialismo democrático; mais especificamente, adotando medidas ortodoxas na frente das finanças públicas e políticas sociais de distribuição de riqueza e redução de desigualdades. Tornou-se popular com a ascensão de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, em 1993, e ganhou muitos adeptos no Partido Trabalhista britânico, levando à eleição de Tony Blair como primeiro-ministro do Reino Unido, em 1997.
No Brasil, serviu de base para o posicionamento político-ideológico do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a Presidência da República de 1995 a 2002. Na América Latina, outro exemplo relevante de governante alinhado à Terceira Via se deu no Chile, com a eleição de Ricardo Lagos, no ano de 2000. Nos anos seguintes, o segmento político acabou solapado por outros projetos ao redor de todo o mundo, mas sem deixar de cristalizar importantes concepções sobre regimes políticos e formas de governo.
A necessidade de o Estado auxiliar aqueles menos favorecidos, especialmente em momentos de crise econômica, é uma das marcas deixadas por governos dessa linha ideológica. A pandemia de Covid-19 é um exemplo claro de assistência em momentos de depressão, via aumento pontual e focalizado dos gastos públicos.
Hoje, faltando praticamente um ano para as eleições presidenciais de 2022, há uma clara mobilização no cenário político para ocupar a suposta Terceira Via no próximo pleito. Ainda que este candidato esteja mais para “terceiro nome”, concorrendo com o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente Bolsonaro (sem partido), existe a possibilidade do nome ser programaticamente ligado à tradicional corrente desenvolvida pelo sociólogo britânico.
Nesse mercado, o que não falta é oferta: nomes como Simone Tebet (MDB-MS), Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Alessandro Vieira (Cidadania-RS) e até mesmo Ciro Gomes (PDT-CE) já estão virtualmente lançados à pré-candidatura, a fim de ocupar o vácuo de um nome mais moderado. O problema, entretanto, está na demanda. Qualquer diagnóstico sobre a terceira via para as eleições de 2022 aponta que, atualmente, não existe um nome com força e apelo necessários para desbancar Lula ou Bolsonaro.
A aglutinação dessas forças do centro político dependerá muito mais de disposição política do que, de fato, coação popular. Ora, se nenhum candidato cair nas graças do povo, tampouco as legendas abrirão mão, por boa vontade de lançar nomes em detrimento de um apoio a seus adversários. Por mais que o discurso de grande parte dessas siglas seja de rejeição a Bolsonaro e a Lula, a prática ainda é permeada pelo tradicional pragmatismo político que dita – e sempre ditou, vide os Robertos Jeffersons, os Ricardos Barros e Ciros Nogueiras da política brasileira – as regras do jogo em Brasília.
Nos últimos dias, o próprio ex-presidente Michel Temer afirmou que as múltiplas candidaturas nesse campo político acabam por inviabilizar um nome competitivo para o ano que vem. Temer admite que estava entusiasmado com uma “suposta” terceira via, mas que o espólio de votos o desanimou. Complementou dizendo que “a chamada terceira via é uma homenagem ao eleitorado” que, segundo ele, tem direito a ter uma outra opção entre Lula e Bolsonaro.
Coloquemos, ainda, neste disperso grupo o candidato do PSDB, que deve ser definido apenas após as prévias do partido, marcadas para o meio de novembro. São quatro candidatos inscritos: Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus; Tasso Jereissati, senador tucano pelo Ceará; João Doria, atual governador do estado de São Paulo; e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
A tendência é que a disputa se afunile entre Doria e Leite, com o senador cearense e o político manauense retirando suas respectivas candidaturas até o pleito e concedendo apoio a um dos dois nomes mais fortes. Nos bastidores, comenta-se que a disputa será a mais acirrada dentro do partido desde a instituição das prévias como mecanismo de escolha para candidaturas para cargos executivos.
Sob uma óptica menos interna, todavia, a própria entrada tardia de mais um postulante ao cargo de candidato da terceira via deixa ainda mais distante a criação de consensos em torno de uma alternativa única. E dado o histórico de grandeza do PSDB, dificilmente a sigla se sentará à mesa, em novembro, com Doria ou Leite deixando de disputar o pleito de 2022 em aceno a qualquer outro nome.
Em outras palavras, a possibilidade de um novo presidente é, hoje, muito mais um sonho de setores moderados – e do mercado financeiro, por que não? – do que, de fato, uma força real. É claro que sonhar não custa nada, mas é recomendado ter pé no chão para mitigar o acachapante peso de uma eventual terceira via desidratada.
Tendo em vista a pandemia de Covid-19, Giddens afirmou que a humanidade estaria passando pela primeira “digidemia”: um reflexo da idade digital com efeitos na saúde global, nas culturas e vivências em grupo, na rotina de trabalho e, claro, na política. Já a Terceira Via brasileira fracassou de modo retumbante em 2018 e, a princípio, não tem forças para surpreender no ano que vem – principalmente por ser incapaz de absorver novas demandas da sociedade e cativar o cidadão brasileiro.
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