Há alguns anos, a principal fonte de informações financeiras eram os jornais. E os profissionais mais competentes do mercado financeiro costumavam dizer a quem estava começando: não deixe de ler as notícias da parte de baixo das páginas.
Explicando. Em qualquer publicação, as notícias mais relevantes (ou bombásticas) vão para a parte de cima das páginas. As notícias que parecem atrair menos atenção vão para baixo. Nas últimas semanas, o noticiário foi dominado pela alta dos juros e da inflação, que chamaram a atenção dos leitores e ocuparam mais espaço nas páginas.
Porém, notícias menos visíveis mostram que, apesar dos solavancos, a participação do setor privado na economia brasileira vem crescendo. E isso indica que as perspectivas são melhores do que podem parecer para quem lê apenas as principais notícias.
Saneamento aquecido
Comecemos pelo setor de saneamento. No fim de abril, a venda da três das quatro áreas de atuação da empresa de saneamento da cidade do Rio de Janeiro, a Cedae, movimentou 22,6 bilhões de reais. Esse foi o primeiro grande negócio do setor, mas não foi (nem será) o único.
No fim de maio, menos de um mês depois, foi lançado um novo projeto de saneamento básico no Amapá. E no início de junho foi divulgada a primeira proposta para o modelo de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Inicialmente a venda estava prevista para outubro, embora possa ficar apenas para 2022. Não é o ideal, mas é um avanço ante a situação anterior. A projeção dos técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é de que a rede de esgotos porto-alegrense poderá atrair investimentos de 2,2 bilhões de reais. Porém, esse valor pode aumentar se as concessões para os serviços de água entrarem na conta.
Além dos grandes leilões, estimativas do setor de saneamento avaliam que há 51 licitações menores em andamento, embora muitas nos primeiros estágios dos processos. Elas são muito menores, com média de investimentos de 97 milhões de reais, mas o interesse por elas é o mais importante.
Por exemplo, a concessão de água e esgoto em Orlândia, cidade de 44 mil habitantes do interior de São Paulo, pode atrair investimentos de 93 milhões de reais. Não se compara aos bilhões da Cedae ou da Corsan, mas a licitação terá 17 consórcios participantes.
A estimativa é que nove desses 51 projetos tenham um potencial de atrair investimentos de 3,64 bilhões de reais. Mais do que essa cifra respeitável, eles podem ser a porta de entrada para novos grupos, nacionais e estrangeiros, testarem as águas do saneamento brasileiro. Como nada no Brasil é simples, leilões desse perfil devem ser mais escassos no futuro. A nova lei do saneamento básico deverá colocar entraves aos projetos de municípios isolados, que não poderão receber apoio do BNDES ou Caixa. A restrição, porém, não se aplica a processos iniciados antes da lei.
Energia disputada
Não é só no saneamento que há boas notícias. A energia também apresenta um cenário positivo, apesar dos jabutis inseridos na proposta de capitalização / privatização da Eletrobras. O ano de 2020 foi fraco no setor, com um solitário leilão de transmissão realizado em dezembro. Porém, o primeiro semestre de 2021 marcou a retomada dos projetos. Na sexta-feira (25), a Equatorial Energia (EQTL3) levou a concessão da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) por 30 anos. A situação da CEA é complicada. O Amapá sofreu com cinco apagões desde novembro do ano passado, sendo que o mais recente ocorreu em 16 de junho. Última distribuidora a ser privatizada, a CEA tinha dívidas de 2 bilhões de reais, que foram renegociadas para “apenas” 1,1 bilhão de reais antes da venda. Não por acaso, a Equatorial foi a única participante do leilão e levou a companhia por pouco menos de 50 mil reais. Porém, mesmo com uma situação tão ruim, a CEA atraiu um comprador.
Os leilões agendados para os próximos dias prometem ser mais disputados. Para a quarta-feira (30), está previsto o primeiro leilão de transmissão do ano, com cinco lotes de investimentos, avaliados em 1,3 bilhão de reais. Serão ofertados cinco lotes para construção e manutenção de 515 quilômetros de linhas de transmissão, espalhados em seis estados (AC, MT, RJ, RO, SP e TO). A expectativa é que participem grandes grupos operadores do setor elétrico, caso da Energisa (ENGI11), Isa Cteep (TRPL4) e Grupo Mez Energia, grande ganhador do leilão de 2020. A expectativa também é que a disputa seja bastante acirrada, com o último leilão marcado por grandes deságios, limitando os ganhos das companhias vencedoras.
Disposição para investir
A situação econômica do País é complexa. Há riscos jurídicos, econômicos, políticos e ambientais. Mesmo assim, há investidores e empresários dispostos a correr riscos em setores difíceis como os de saneamento e energia. Isso não ocorre por bondade ou caridade, mas porque há empreendedores que enxergam oportunidades de obter uma rentabilidade para seu capital fazendo isso.
Somando-se apenas os 3,6 bilhões de reais do setor de saneamento e o 1,3 bilhão dos leilões de transmissão, mais os 150 milhões de reais em investimentos imediatos que a Equatorial terá de fazer na distribuidora amapaense, já são mais de 5 bilhões de reais em investimentos para a infraestrutura brasileira. E isso sem falar nas licitações propostas para rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Apenas a cifra mais restrita comprova que, para além das manchetes de crise e turbulência, há oportunidades de investimento e ganho para a iniciativa privada. E essa, em última análise, é a medida de qualidade de um país.
Um abraço e bons investimentos.
Equipe Levante.
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