O jornalista Thomas Traumann, ao lançar o livro O pior emprego do mundo em meados de 2018, argumentou que a relação entre o presidente da República e o ministro da Economia/Fazenda é uma das mais sensíveis – se não a mais delas – dentro de um governo.
Sabe-se, de fato, que a economia é um dos temas que mais influencia as preferências de um eleitorado na hora de eleger seus representantes. Nesse sentido, o presidente é o responsável por delegar a um ministro a competência de gerir uma economia. No caso do Brasil, de gerir a 13ª maior economia dentre todas as nações do planeta.
Não à toa, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, tem continuado no cargo desde o início do mandato de Bolsonaro, a despeito de muita pressão interna e externa pela sua saída – além dos naturais ruídos de que o ministro estaria deixando o cargo na ocorrência de qualquer revés para seu projeto e sua equipe econômica.
A cerca de um ano e quatro meses para as eleições presidenciais de 2022, o ministro se fortalece e renova a confiança de Bolsonaro em seu trabalho, após a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) de 2021 – mensurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A economia cresceu 1,2% no 1T21, em comparação com o trimestre imediatamente anterior, e ficou significativamente acima das expectativas – a mediana de mercado estimava um crescimento de 0,7 ponto percentual.
A recuperação econômica mais rápida do que o previsto será, fundamentalmente, trunfo para a campanha pela reeleição de Bolsonaro. Paulo Guedes, portanto, será prestigiado à altura, como responsável pela retomada após o gigantesco choque econômico provocado pelas restrições para combater a Covid-19, principalmente em 2020.
Ainda que o ministro não tenha entregue uma série de promessas (entre os planos ambiciosos frustrados, podemos citar o superávit primário ainda no primeiro ano de governo, as três privatizações em 90 dias e o trilhão em venda de ativos da União, entre outros), seu capital político deriva, justamente, da capacidade de manter os mercados positivos com o Brasil e na aprovação de alguns projetos relevantes, como o novo marco do saneamento básico, a reforma previdenciária, a nova lei do gás, entre outros.
Para os liberais mais ferrenhos, Guedes pecou ao não aproveitar a janela de reformas construída no Congresso – os números jogam a seu favor, com a oposição tendo um dos menores pesos na história da redemocratização e uma ampla centro-direita reformista.
Para os apoiadores do governo, mais reformas não avançaram apenas porque líderes do Congresso Nacional não têm interesse nelas, sendo, portanto, o ambiente legislativo um empecilho ao avanço mais consistente da agenda liberal.
Antes fosse tão simples explicar a dinâmica de propostas econômicas em um país como o nosso, em que não há praticamente nenhuma liberdade alocativa de recursos orçamentários e uma cultura que promove as vontades de poucos grupos privilegiados em detrimento de uma gigantesca massa contribuinte.
Mais fácil, logo, entender o jogo feito pelo próprio ministro. Lembremos daquele Paulo Guedes de 2019, que frequentemente entrava em rota de colisão com deputados e senadores por meio de suas declarações mais ríspidas, e do Paulo Guedes de 2021, tão recluso quanto maduro quando o assunto é Congresso Nacional, e sempre otimista com relação ao futuro econômico do País.
Afinal, quem irá confiar no trabalho do ministro da Economia se nem ele mesmo está otimista com a economia brasileira? Em resumo, cuidar de um tema tão delicado como esse requer entrar de cabeça no palco da política – local repleto de alegorias e truques – para disputar o poder. Não que eu concorde com esse modelo, mas é o jogo que se joga há tempos em Brasília.
Tendo essas informações à mesa, não seria absurdo ver o ministro Guedes permanecendo por mais quatro anos, a princípio, caso o atual presidente seja reeleito em 2022. Sair antes das eleições do ano que vem, então, é algo impensável para o atual ministro e sua equipe. A história dá respaldo ao Chicago Boy: Pedro Malan ficou no comando da pasta de 1995 a 2003, nos dois governos FHC; Mantega foi ministro da Fazenda no governo Lula 2, Dilma I e só saiu após a reeleição da petista porque as coisas já desandavam e o mercado exigia um nome de sua confiança para se manter minimamente estável; Meirelles assumiu junto com o então vice-presidente, Michel Temer, e entregou o cargo para tentar um voo maior, à presidência da República, em 2018.
Recentemente, o ministro deu declarações insinuando que já coloca no planejamento e execução de seus projetos a reeleição de Bolsonaro em 2022 – o ministério da Economia está disposto “a partir para o ataque” no ano que vem, por meio da ampliação do Programa Bolsa Família, Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) e Bônus de Incentivo à Qualificação (BIQ) – ambos programas de incentivo a trabalhadores informais.
Deixando um pouco o contexto político de lado, vamos olhar para a figura de Guedes e entender, também, quais seriam suas motivações para ficar (ou não) por mais quatro anos.
O atual chefe da Economia bateu na trave em 1985, durante a formação da equipe de governo de Tancredo Neves – que não chegou a ser empossado –, mas acabou recusando o cargo por pressão de colegas próximos do mercado financeiro e alguns desencontros com a equipe do Banco Central, onde poderia ter sido diretor. Em 1989, foi o responsável pelo segmento de economia do plano de governo do empresário e candidato à Presidência, Guilherme Afif Domingos.
Como aponta a excelente reportagem de Ana Clara Costa à Revista Piauí, participar do governo na área econômica sempre foi um sonho de Guedes. Após constatar que o apresentador Luciano Huck não iria concorrer à presidência em 2018, o economista se aproximou de Bolsonaro por meio da interlocução de Marcos Cintra ainda em 2017 e convenceu nomes de mercado – Salim Mattar, Paulo Uebel, Roberto Castello Branco, Roberto Campos Neto e cia. – de que poderia convencer o atual presidente a defender posições liberais.
Perdeu alguns colegas “de trincheira” pelo caminho, contrariado, mas sempre respeitou a decisão de Bolsonaro, admitindo que a política cativa seus mártires. Mas fez questão, sempre, de reforçar: a desistência não é uma opção – seja por vaidade, seja por princípios, seja pelo idealismo de construir um Brasil mais liberal.
Segundo o próprio Guedes, a confiança de Bolsonaro ainda persiste, e seu papel no governo é de tal importância que a sua saída representaria uma catástrofe para o País. Em entrevista à repórter, o Chicago Boy afirmou: “Amigos me perguntam: como você está conseguindo ficar aí? Três meses depois, eu apresento o Banco Central independente, envio a MP da privatização da Eletrobras, faço andar a privatização dos Correios. Aí eles vêm e dizem: ainda bem que você não saiu”.
É desse combustível que o Posto Ipiranga de Bolsonaro se abastece, e é por conta dele que não vê problemas em continuar no governo, não obstante as enormes dificuldades impostas à agenda liberal, até 2022 – ou mesmo 2026, caso o presidente renove seus votos de confiança no ministro e em sua visão de mundo.