Chegou ao fim a primeira semana de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, instalada no Senado Federal para apurar eventuais irregularidades e omissões do governo federal no combate ao coronavírus.
Na coluna de hoje, vamos destrinchar os principais acontecimentos desta primeira semana de comissão – as polêmicas, os pontos relevantes e as estratégias adotadas pelos grupos políticos.
A primeira semana foi bastante movimentada e relevante para o cenário político. Senadores estão praticamente todos debruçados sobre a CPI e as declarações mais recentes dos ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e Nelson Teich – além do depoimento do atual ministro, Marcelo Queiroga – já dão algumas pistas sobre quais caminhos serão explorados pelos integrantes do colegiado.
O foco dos depoimentos ficou restrito, nesta semana, a nomes ligados à pasta da Saúde, mas a partir da semana que vem o escopo será ampliado, com a convocação do ex-secretário de Comunicação do governo, Fabio Wajngarten, do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, e de um representante da farmacêutica Pfizer.
Considerado o nome mais sensível dentre os convocados, o ex-ministro e general do Exército Eduardo Pazuello se esquivou da sua sessão e alegou ter tido contato com outras pessoas que testaram positivo para o vírus. Nesse cenário, sua presença na CPI foi adiada para a semana do dia 17 de maio.
Sujeito indeterminado
Primeiro ex-ministro a dar depoimento, Luiz Henrique Mandetta ficou cerca de sete horas e meia respondendo questionamentos dos integrantes da comissão, principalmente sobre a postura do ministério e do Planalto no início da pandemia.
Por ser político e dominar o dom da retórica, o médico colocou à mesa importantes informações, mas usou e abusou do sujeito indeterminado para evitar acusações sobre falso testemunho ou falta de provas para comprovar o que foi dito. No entanto, suas declarações foram interpretadas como uma espécie de orientação para senadores – como, por exemplo, o fato de que houve, no primeiro semestre de 2020, uma minuta de decreto presidencial para que a Anvisa alterasse a bula da cloroquina a fim de tornar o remédio recomendado contra a Covid-19.
Mandetta afirmou que deixou o cargo por não concordar com o uso do medicamento no tratamento contra a Covid e por divergências em relação às restrições de circulação, em uma época que havia discussões sobre quarentena horizontal, vertical, entre outras metodologias para frear a contaminação do vírus.
O ex-ministro também comentou que havia um assessoramento paralelo para a tomada de decisão – e que estranhava a atuação do presidente, que concordava com suas opiniões, mas em dois ou três dias mudava de ideia.
Por parte da ala governista, houve esforços para associar a postura de Mandetta às mortes registradas enquanto ele esteve à frente da Saúde. Senadores da base aliada relembraram que o ministro pedia para que pessoas com sintomas permanecessem em casa ao invés de procurar um hospital, ignorando, porém, o contexto por detrás da declaração (a recomendação valia para sintomas leves e era uma forma de prevenir novas contaminações).
Mandetta ainda mencionou uma carta enviada no dia 28 de março de 2020 para o presidente Bolsonaro, em que alertava sobre a possibilidade de um colapso no sistema de saúde do País e pedia maior apoio do governo federal. Dessa forma, com prova documental, o ex-ministro se abdica de qualquer eventual responsabilização administrativa ou criminal. A carta é clara nesse sentido: “Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.
Dos três grandes depoimentos, esse foi o que gerou mais impacto em termos políticos, muito por conta da familiaridade de Mandetta com o xadrez da CPI e sua vontade de contribuir para a responsabilização do atual governo pelos erros cometidos nestes últimos meses. O médico também aproveitou para atacar desafetos do governo, como o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ambos devem ser convocados para depor.
Teich, o breve, e Queiroga, o safo
Nos dias seguintes ao depoimento de Mandetta, foram ouvidos o ex-ministro Nelson Teich, que permaneceu no cargo por menos de um mês, e o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Durante as seis horas que esteve na CPI, Teich respondeu questionamentos de diversos senadores, tanto da base aliada quanto da oposição. Por ter tido uma atuação discreta à frente da pasta, o ministro não teve que dar muitas explicações sobre a gestão, mas admitiu que observou uma grande falta de coordenação no combate ao vírus.
O médico também aproveitou para dar explicações sobre seu pedido de demissão, indicando a “falta de autonomia” e divergências sobre a cloroquina como os dois principais fatores. Inclusive, sobre o remédio, Teich admitiu que a decisão de aumentar a produção – por meio do Exército brasileiro – não passou pelo seu crivo e que foi contrário à distribuição do medicamento para comunidades indígenas.
Senadores também lembraram da constrangedora entrevista do ex-ministro, na qual lhe faltaram palavras ao saber, durante as perguntas, que o governo havia incluído academias e salões de beleza como serviços essenciais. Segundo Teich, essa decisão passou ao largo de sua pasta. Ao fim da sessão, o médico – que nunca havia tido ligação com o mundo político – saiu exaurido e visivelmente abalado com a série de perguntas na comissão.
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Já o atual ministro, Marcelo Queiroga, teve de se esquivar sobre vários assuntos ligados ao combate à pandemia e defendidos pelo governo. Questionado sobre o uso de cloroquina, Queiroga respondeu que o tema exige orientação técnica, não opinativa, além de afirmar que não poderia fazer “juízo de valor” sobre a opinião de Bolsonaro.
A postura mais defensiva do atual ministro já era esperada, mas acabou irritando senadores independentes e de oposição, enquanto alguns senadores da base aliada fizeram coro ao presidente e defenderam o medicamento, mesmo com estudos provando que ele é ineficaz no combate ao vírus.
Outro ponto de atenção recaiu sobre a contratação de vacinas. Após consulta formal do deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), o próprio ministério divulgou que o número de 560 milhões de doses já contratadas estava inflado, à medida que apenas metade desse montante já tem, de fato, contratos fechados.
Bateu em retirada
O episódio mais curioso desta semana, porém, envolveu o único ex-ministro que não compareceu à CPI: o general Eduardo Pazuello. No início da semana, Pazuello comunicou aos integrantes do colegiado que estava com suspeita de Covid, uma vez que dois outros colegas do Exército com os quais o ex-ministro teve contato recente testaram positivo.
Dessa forma, o general teria que fazer quarentena total por 14 dias e o seu depoimento foi remarcado para o dia 19 de maio. Ocorre que, nesta quinta (6), o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), prestou uma visita fora de sua agenda oficial ao general, tendo sido flagrado pela imprensa no local onde mora Pazuello.
Diante do fato, senadores já se organizam para pedir um teste de Covid para o ex-ministro e, eventualmente, autorizar a condução coercitiva para seu depoimento. Parlamentares haviam dado um voto de confiança ao membro das Forças Armadas, já que ele estaria cumprindo as exigências sanitárias no caso de suspeita de infecção. O debate segue acalorado, mas a tendência é que Pazuello consiga adiar, de fato, seu depoimento para a segunda quinzena de maio. O episódio, contudo, foi mal visto pela sociedade e pelos políticos.
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