Ainda no começo da minha carreira como analista político, em meados de 2018, lembro-me de assistir a uma entrevista com cientistas políticos sobre pesquisas eleitorais e resultados. À época – e até hoje – muito se comentava sobre a discrepância nas pesquisas, nos EUA, e o resultado final da eleição presidencial de 2016, que elegeu o republicano Donald Trump.
Não consegui lembrar o nome dos presentes na entrevista, mas muito me marcou uma metáfora utilizada por um deles para explicar como se interpretam os resultados de uma rodada de pesquisa, seja sobre algum pleito, sobre a avaliação de governo ou até mesmo opiniões mais gerais, como o rumo da economia e/ou a qualidade de serviços públicos.
A analogia é a seguinte: os números apresentados por uma pesquisa são apenas uma fotografia retirada de um filme, esse sim é o responsável por entregar uma narrativa muito mais completa e coerente. Metaforicamente, o filme é o conjunto de informações reunidas a partir de diversas pesquisas, com o objetivo de indicar tendências em determinado prazo – no caso de eleições, a ideia é projetar como será a votação, de fato.
Por ser estática, a fotografia só consegue trazer elementos daquele determinado momento – por exemplo, na última pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), junto à XP Inc, constata-se que, no final de março, 48% dos entrevistados consideram o governo de Jair Bolsonaro ruim ou péssimo, 27% consideram o governo ótimo ou bom e 24% consideram o governo regular.
A nova rodada abordou mil entrevistados por meio de ligações telefônicas, com cobertura nacional e distribuição proporcional segundo gênero, região, ocupação, nível educacional, renda, porte do município, idade, religião e ocupação. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais e o período de coleta foi entre os dias 29 e 31 de março de 2021.
O “filme” do governo Bolsonaro, porém, é mais complexo, conforme podemos observar no gráfico abaixo:
Ainda sobre a pesquisa, divulgada na última segunda-feira (5), alguns números têm especial relevância e outros ainda são secundários, dada a atual conjuntura política do País (explicarei mais adiante).
Ainda que a avaliação de governo mais recente tenha oscilado dentro da margem de erro quando comparada à pesquisa anterior, realizada nos dias 9, 10 e 11 de março, um movimento de alta na avaliação negativa do governo tem se confirmado desde o início do ano.
Na última pesquisa de 2020, Bolsonaro tinha 25% de avaliação regular (estável), mas apenas 35% de avaliação ruim e péssima e 38% de avaliação ótima e boa. A título de comparação, o pior momento de seu mandato, em termos de avaliação de governo, foi justamente em meados de abril e maio de 2020, quando a curva de casos e óbitos, no Brasil, acelerou – e a avaliação negativa chegou a 50%, com apenas 25% de avaliação positiva.
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Essa tendência também se confirma quando se observam outros resultados, como a expectativa para o restante do mandato ou até mesmo o percentual de desaprovação da maneira como o Bolsonaro administra o País. 60% dos entrevistados não aprovam a forma de governar do presidente, enquanto 33% concordam com a gestão presidencial e 7% não quiseram ou não souberam responder. Na pesquisa de janeiro de 2021, esses percentuais eram, respectivamente, de 50%, 42% e 8%.
É possível justificar a piora nos indicadores principalmente pelo recrudescimento da pandemia de Covid-19 no Brasil, mas também pelo fim do auxílio emergencial na virada do ano. Conforme a própria pesquisa mostra, a população brasileira voltou a temer o coronavírus (55% está com muito medo, 28% está com um pouco de medo e 17% não está com medo – sendo que, em outubro de 2020, quando a média de óbitos e casos baixou significativamente, esses percentuais foram de, respectivamente, 28%, 37% e 34%).
Essa narrativa faz sentido quando analisamos o mandato do presidente sob perspectiva, corroborando com o que foi discutido nas últimas duas colunas aqui. Novamente, vale ressaltar: atualmente, o maior inimigo do governo é ele mesmo e a conta tem chegado cara por ter cometido uma série de erros na gestão da pandemia no Brasil. Como os números têm mostrado, quanto mais contaminado pela Covid-19 for o debate em 2022, pior para as intenções de reeleição de Bolsonaro.
A deterioração da popularidade de Bolsonaro é um dos motivos pelos quais o presidente mudou de postura no combate à pandemia, entendendo que quanto mais presente estiver a Covid-19 na vida dos brasileiros em 2022, menores são suas chances de reeleição. Ainda assim, mesmo com recordes de casos e óbitos no Brasil – em um contexto em que o mundo vai diminuindo suas curvas –, a resiliência da base eleitoral bolsonarista confere ao presidente um “piso” de avaliação positiva na casa dos 25 por cento. Nas próximas pesquisas, haja vista que o mês de abril ainda será duro no que diz respeito à Covid-19, esse piso deve passar por um teste de fogo.
A pesquisa da XP também trouxe já – faltando um ano e seis meses para o pleito – uma rodada de intenções de voto para a Presidência da República. Na minha opinião, esses dados ainda são extremamente irrelevantes dentro do contexto da corrida eleitoral. E é aqui que a metáfora do filme volta à tona.
Houve empate técnico decorrente das pesquisas eleitorais de intenção espontânea e estimuladas. No primeiro caso, Jair Bolsonaro tem 24% das intenções de voto e Lula aparece em segundo lugar, com 21% das intenções. Na pesquisa estimulada (com nomes pré-definidos), Lula tem 29% das intenções de voto e Bolsonaro tem 28%.
Com tamanha distância temporal do dia da eleição, interpretar esses dados para fazer qualquer estimativa do resultado seria um exercício precipitado. A história mal começou – e é como se concluíssemos que estamos assistindo “O Rei Leão” apenas porque a primeira imagem assimilada (no caso, a pesquisa) fosse a do famoso logo do MGM Studios (Metro-Goldwyn-Mayer Studios Inc.)
No filme de 2022, muita coisa ainda está indefinida: não sabemos exatamente quais são os protagonistas, o enredo, se teremos algum clímax entre os envolvidos e qual será a temática de pano de fundo. Não adianta insistir: só se compreende uma narrativa vivenciando-a.
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