Para além das preocupações com o desequilíbrio fiscal, há dúvidas quanto ao ritmo de retomada que a economia brasileira poderá manter no próximo ano, por uma série de outros fatores.
Claro, que a questão fiscal continua no centro das preocupações, diante da trava na agenda e da falta de alinhamento do governo quanto ao que pretende fazer. Continuam os balões de ensaios, as declarações contraditórias, os redirecionamentos de narrativas.
Junta isso com a piora do rombo e da dívida e a perspectiva de uma segunda onda do coronavírus, e o que temos é um quadro de incertezas que atrapalha bastante a perspectiva de um maior fluxo de investimentos de longo prazo, que seria fundamental para impor maior ritmo na retomada ou mesmo garantir a recuperação já esperada para o próximo ano.
A Bolsa até registrou a volta do capital externo nas últimas semanas, mas muito no embalo de um contexto global mais favorável. Tem muita liquidez, num ambiente de juros baixos, onde as eleições nos Estados Unidos e as notícias positivas em relação às vacinas ajudaram a reduzir a aversão ao risco dos emergentes, em geral.
O Brasil, com ativos baratos e moeda desvalorizada, passou a ser uma opção, mas nada de mais consolidado. O investidor externo ainda vê o País com cautela, inclusive com possibilidade de novos rebaixamentos na avaliação de risco, caso não consiga estabelecer melhores condições para a evolução das finanças.
Aliás, independentemente da melhoria do fluxo, que até ajudou a derrubar um pouco o dólar, segue a pressão na curva de juros, para a colocação de títulos públicos, com encurtamento preocupante da dívida pública.
Fora essas questões, mesmo que o governo consiga reafirmar, de forma mais concreta, o compromisso fiscal, fica à dúvida quanto ao impacto do fim dos estímulos adotados em meio à pandemia a partir da virada do ano.
Só o corte no valor do auxílio emergencial já esfriou um pouco o ritmo de vendas do comércio, por exemplo. A Black Friday pode dar algum impulso ao setor, assim como a poupança acumulada nos meses de benefício maior, mas difícil assegurar um movimento como o verificado quando o auxílio estava em 600 reais.
Também pode haver algum reflexo negativo sobre o mercado de trabalho, com o término do programa de manutenção do emprego e da renda, que permitiu redução de salários e jornada ou mesmo suspensão dos contratos. O fim do programa vai ocorrer em dezembro, sendo que as projeções para janeiro já são de uma piora mais acentuada do desemprego apenas pelo retorno de mais trabalhadores ao mercado, em busca de uma colocação.
Por isso é cada vez mais urgente uma redefinição mais concreta do programa econômico.
Como técnico de futebol, a equipe econômica insiste em manter o ânimo da torcida e dos jogadores falando na tal recuperação em V, no controle da pandemia com vacinas e imunidade de rebanho, avanço de privatizações e concessões, das reformas, da manutenção de juros baixos, com aumento do crédito, fora os acordos internacionais.
Tudo isso é até possível. Mas boa parte dessas perspectivas depende de um entendimento político, dentro e fora do governo, que não estamos vendo. Sem esquecer que a pandemia voltou a trazer indefinições para todo o mundo. Independentemente de estarmos mais próximos de uma vacinação em massa, com alto nível de imunidade, a realidade atual é de uma nova onda que bate recordes no exterior, com adoção de novas medidas restritivas, em vários países, e risco de isso acontecer, em alguma medida, também por aqui.
A demora do governo em definir o que pretende fazer só agrava do quadro de incertezas que pode atrapalhar muito as condições de continuidade da retomada. Se é para ser uma retomada em V mesmo, ainda falta dar mais impulso.
Em um impulso que, não necessariamente, depende da injeção de recursos. Um ambiente de confiança nos vários sentidos é imprescindível. Por enquanto, a previsão é que a economia possa crescer mais de 3% no ano que vem. Mas, até lá, muita coisa terá de acontecer, embora faltem poucas semanas para o início de 2021.