O contexto atual da política brasileira é, sim, muito complexo. Para entendê-lo, muitas vezes deve-se sair do debate comum, buscando princípios e referências anteriores, até de séculos atrás, mas que nos ajudam hoje em dia – e sempre o fizeram – a compreender assuntos como esse. Mais importante ainda é, atualmente, usar dessa estratégia para entender minuciosamente em que patamar estamos com as tão essenciais reformas político-econômicas brasileiras. E é isto, em suma, que proponho no Política sem Aspas deste sábado (19): um regresso a ideias passadas, mais especificamente às Leis de Newton, para esmiuçar o nosso Brasil de 2020.
Em 1687, Isaac Newton publicou, em trabalho de três volumes intitulado Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, um conjunto de constatações teóricas e empíricas que viriam a revolucionar a física mecânica, a astronomia e diversos campos da matemática e engenharia.
Conhecidas como as 3 Leis de Newton, as leis possibilitaram a compreensão básica dos comportamentos estáticos e dinâmicos de corpos materiais. A contribuição do físico inglês abriu caminho para novas descobertas tanto no campo terrestre quanto no campo celeste.
A primeira lei, conhecida como Princípio da Inércia, afirma que se a força resultante exercida sobre um objeto é nula, logo a velocidade dele é constante – independentemente de ele se encontrar em repouso ou em movimento retilíneo uniforme. Eis a transcrição literal da primeira lei: “Lei I – Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele.”
Mais de trezentos anos separam a genialidade única de Newton, refletida nas postulações escritas, da atualidade. Ainda assim, é possível transportar– como já fizeram em incontáveis momentos durante esse período – o conceito para outras áreas do conhecimento, de modo a facilitar a compreensão da conjuntura. Vou usar o Princípio da Inércia para explicar o jogo de forças construído em Brasília sobre o Orçamento de 2021, o teto de gastos, o futuro (curto prazo) da economia brasileira e seus reflexos em nossos investimentos.
Ao compactuar com o pilar do liberalismo econômico em seu governo, Jair Bolsonaro permitiu que o ímpeto de reformas, iniciado no governo Temer, tivesse continuidade. Se antes destes governos, metaforicamente, o “objeto” reformas estava em repouso, no governo Temer uma força resultante não nula agiu sobre ele, dando início à movimentação das reformas, tendo como norte um país mais organizado e responsável do ponto de vista econômico.
Ao não interferir sobre esse movimento, exercendo pressão contrária, Bolsonaro permitiu que o nosso “objeto” continuasse no melhor caminho. Certamente, isso se refletiu nos ativos brasileiros, que terminaram o ano de 2019 – após a aprovação de uma reforma previdenciária – bastante valorizados (vide Ibovespa na casa dos 120 mil pontos).
Acontece que, assim como na física, esse objeto está sujeito a diferentes forças atuantes. Inevitavelmente, em algum momento, o vetor soma de todas as forças pode deixar de ser nulo – aqui, inclusive, é onde a Segunda Lei de Newton entra para explicar o fenômeno. O que temos observado na agenda de reformas, especialmente diante de um cenário orçamentário, é a leve (e, portanto, latente) aplicação de forças contrárias à agenda reformista.
Isto não significa, porém, que ela se encontre em repouso, mas sim que exista uma desaceleração do projeto capitaneado por Paulo Guedes. Resta entender quais são essas forças e por que o vetor soma já não é mais zero – ou mesmo positivo (que seria equivalente à aceleração das reformas).
O primeiro vetor refere-se à popularidade e consequente reeleição do presidente. É um desejo explícito de Bolsonaro se reeleger em 2022 – e, para isso, manter o seu melhor momento de avaliação de governo desde o início do mandato é essencial.
O vetor da reeleição, por exemplo, agiu sobre a reforma administrativa, ao obrigá-la a ser válida somente para novos ingressantes no setor público e também ter sua tramitação fatiada. Agiu, do mesmo modo, sobre a impossibilidade de viabilizar o Renda Brasil, uma vez que as (impopulares) propostas de compensação de receita apresentadas pelo ministério da Economia foram descartadas por Bolsonaro. Essa pressão contrária à agenda liberal deve aumentar à medida que o tempo para as eleições for se encurtando. A única forma de arrefecer tal vetor é uma recuperação mais forte da economia, o que parece improvável.
O segundo vetor tem direta ligação justamente com a dificuldade de entregar um crescimento econômico elevado no País. Não obstante a extraordinariedade do coronavírus para o PIB e as contas públicas de 2020, a realidade é que o Brasil vem crescendo timidamente desde que voltou a crescer, após 2016. Nesse balaio, estão velhos conhecidos: a alta porcentagem de gastos obrigatórios, que retira o poder do governo sobre investimentos públicos, e a desconfiança de investidores para injetar dinheiro em obras de médio e longo prazos (infraestrutura, por exemplo), reflexo de sucessivos déficits primários desde 2014, crescente dívida pública e alta insegurança jurídica.
Diante de crescentes forças contrárias, aumenta-se a percepção de que a velocidade na qual reformas econômicas estruturais – e necessárias – serão entregues, ou mesmo realizadas, vem diminuindo. Novamente: isto não quer dizer que a agenda ainda esteja avançando, mas também não é mais possível dizer que as perspectivas de reformas sejam as mesmas que as do início deste governo. Por isso, a inércia do Ibovespa no patamar dos 100.000 mil pontos, do dólar acima de 5 e das curvas longas em forte descolamento.
Eventualmente, as forças negativas poderão desacelerar o nosso objeto de tal forma que ele praticamente volte ao repouso, significando a completa estagnação das reformas. Aí, sim, pode-se esperar um impacto negativo e generalizado nos ativos brasileiros. Por outro lado, controladas as pressões negativas, ou com a renovação de forças positivas, o vetor soma pode voltar a zero e a agenda de reformas irá continuar em constante movimento. Nesse caso, o Ibovespa poderá voltar a buscar os 110 ou 120 mil pontos.
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Um abraço,
Felipe Berenguer
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