O fantasma da inflação – aquele muito conhecido por quem viveu os anos 80 e 90 no Brasil, e que voltou a rondar terras brasileiras nesta última década – parece distante e acuado. Saímos de anos de resultado acima do centro da meta e de até mesmo inflação de dois dígitos para uma nova realidade, em que o IPCA de 2020 não deve ser maior que 2,5%.
É bem verdade que a paralisação das atividades, por conta da pandemia global, afetou ainda mais o crescimento econômico brasileiro, que vem penando, desde a superação da crise de 2015 e 2016, para tornar-se robusto e sustentável. Os diagnósticos já são conhecidos: o Estado, antes promotor direto de investimentos, saiu de cena. O dinheiro acabou, e isto por conta de este mesmo Estado estar comprometido com salários e aposentadorias.
Além disso, a indústria, que sofre com baixa produtividade desde o início do século, tem uma das mais baixas taxas de ocupação industrial. O hiato do produto brasileiro (diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial) é gigantesco. A confiança dos brasileiros ainda está distante dos valores considerados “expansionistas”, que conferem um caráter de reaquecimento para as economias. O País, hoje, está sufocado por um orçamento engessado e pelas incertezas sobre a solvência fiscal dos prazos médio e longo. Em suma: Estado incapaz e setor privado receoso para investir.
Ainda assim, a nova rodada de indicadores, divulgada no período que vai do fim de agosto ao começo de setembro, demonstra que a recuperação da economia brasileira frente ao coronavírus vem sendo mais rápida que o esperado. Um dos grandes vetores desse fenômeno – e que não estava no radar de economistas – é certamente o auxílio emergencial de R$ 600, prorrogado até agosto neste valor e até o fim do ano com o pagamento de metade do valor.
Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o benefício sustentou o consumo em regiões mais pobres do País e evitou queda mais forte, em geral, no consumo das famílias. Naturalmente, após a forte queda em todos os setores (em março e abril), o varejo, a indústria e os serviços – estes, sim, muito timidamente – voltaram a crescer. Os dados mais recentes, porém, ficaram acima das medianas projetadas pelo mercado. É o caso das vendas no varejo de julho (5,2% vs. expectativa de cerca de 1%) e da produção industrial no mesmo mês (8,0% vs. expectativa de 5-6%).
Como falei, a recuperação vem surpreendendo. Mas ainda estamos abaixo dos patamares pré-pandemia. As sondagens de expectativas, mensuradas pelo Ibre-FGV, somente agora vão atingindo de volta os números apresentados em fevereiro de 2020. O auxílio também terá influência reduzida nos próximos meses. Devemos, enfim, voltar à realidade de crescimento tímido, sedentos por mais, porém cientes de que uma atividade mais acelerada só virá caso a condução de política econômica entregue a agenda prometida.
Nem mesmo a alta nos preços de alimentos parece gerar uma pressão inflacionária real. Argumenta-se que analistas estão subestimando o risco de a inflação subir mais fortemente no fim deste ano, mas a realidade é que a ancoragem não está na cesta básica, mas sim no quadro fiscal do País. Como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (RCN), disse: o monetário é passageiro. O piloto, de fato, é o fiscal.
A fala de RCN, inclusive, pode ser interpretada como um “basta” nos cortes da Selic. Afinal, cada vez mais o estímulo monetário perde força – já que estamos nas mínimas históricas – e os riscos de descontrole inflacionário ficam, caso haja uma leitura incorreta das expectativas, maiores.
O IPCA de agosto, não obstante os setores com resultados acima das expectativas, veio exatamente em linha com o esperado (0,24%). O grupo de alimentos e bebidas (0,78%) vem puxando o Índice desde meados de abril – isto não é novidade, tampouco surpresa, já que pessoas estão consumindo mais produtos dentro de suas casas. Foi o maior resultado para o mês de agosto desde 2016. O indicador, agora, acumula alta de 2,44% em 12 meses – lembrando que cerca de 1% é de dezembro de 2019, ou seja, não será incluso na inflação deste ano.
Evidentemente, alguns produtos têm reagido muito fortemente ao choque da moeda brasileira frente ao dólar, alterando a oferta disponível no mercado e, consequentemente, aumentando seus respectivos preços. É o caso do arroz, que tomou os holofotes nesta última semana. A única coisa que cabe ao governo é estimular a concorrência – e só. Não por acaso, a Câmara de Comércio Exterior zerou temporariamente os impostos de importação sobre o produto. Tudo mais constante, os próximos meses devem levar à normalização dos preços desta cesta de produtos.
Inaceitável, porém, é querer tapar o sol com a peneira, em uma tentativa vã de controlar preços. Quando iniciativas como essas – de notificar mercados que, supostamente, estariam praticando preços abusivos – vêm à tona, o resultado é que não se controla a livre concorrência e a livre iniciativa, mas sim acaba-se com esses elementos tão caros ao bom funcionamento de uma economia.
Em termos inflacionários, o importante agora é observar o comportamento do dólar e da atividade econômica interna e as expectativas do mercado quanto ao quadro fiscal brasileiro. Qualquer coisa que fuja desse tripé é perda de tempo. Quando o assunto é dinheiro, o Planalto deveria saber: não existe patriotismo suficiente que faça brasileiros rasgarem seus bolsos. O maior ato patriótico deve vir da Esplanada dos Ministérios: respeitar as âncoras fiscais e promover mudanças econômicas estruturais. Caminhos diferentes desse, esses sim, têm altíssimo potencial de ressuscitar o fantasma da inflação.
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Um abraço,
Felipe Berenguer
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