A política é um jogo de xadrez. Joga-se com paciência, muita estratégia e concentração, sendo os melhores não necessariamente mais agressivos ou mais conservadores, mas aqueles que conseguem preservar suas peças enquanto vão, pouco a pouco, minando as peças dos seus adversários.
Enxadristas estudam diversas aberturas. Abertura é o nome dado à parte inicial do jogo, em que o posicionamento das peças é essencial e todos os movimentos são previamente estudados com muito afinco. Não se engane, pois cada peça – da rainha ao peão – é fundamental para que se possa estar bem posicionado para as outras duas etapas do jogo: o meio-jogo e o fim da partida.
Em Brasília, todos jogam também. O jogo político é um processo no qual, assim como no xadrez, qualquer erro pode sair muito caro, custando a vitória. Por isso, é necessária muita reflexão antes de se executar qualquer movimento. Naturalmente, alguns políticos jogam melhor que outros – não se pode esperar a excelência universal, afinal, alguém sempre precisa sair perdendo. Aprender com os erros também é importante nesse sentido, já que o erro de hoje pode ser a vitória de amanhã.
O governo não jogou a melhor das aberturas quando buscou não formar uma coalizão junto ao Congresso, apostando na afinidade de pautas e no apoio de bancadas. Acontece que bancadas são voláteis e as pautas custam (ficando, a cada dia de governo, mais caras). Para não perder o jogo, o Planalto teve de mudar a estratégia – e, certamente, sacrificou algumas peças nesse processo. Contrariando suas convicções, Bolsonaro foi atrás do Centrão para obter uma base minimamente sustentável – um movimento talvez não calculado, mas sim feito por puro instinto de sobrevivência. Aliás, um movimento acertado.
Outra peça essencial no jogo político é o presidente da Câmara. O atual presidente cumpre seu dever de casa e domina as peças do tabuleiro com rara habilidade. Nesta semana mesmo, fez um movimento agressivo: dada a inércia dos outros jogadores sobre a reforma tributária, forçou a retomada dos trabalhos acerca do tema na Câmara, provocando uma reação.
A reação está posta e não poderia vir em melhor hora. Na próxima terça, espera-se que o Ministério da Economia entregue oficialmente sua proposta e, a partir daí, as sessões de debate sobre a reforma tributária, na comissão mista (deputados e senadores), sejam retomadas. Percebam: o xadrez não é só uma questão de como mexer as peças, mas também de quando o fazer.
No caso da reforma tributária, aprová-la significa uma vitória ao mercado financeiro, às empresas, aos contribuintes e à sociedade como um todo. Logo, todos os movimentos que caminhem nesse sentido têm o meu apoio, independente de quem seja o jogador. É um tema delicado, mas urgente para gerar maiores oportunidades de crescimento econômico.
Emparedados por um orçamento engessado até o teto com despesas obrigatórias, deputados e senadores tendem a ver a reforma tributária como uma boa saída para impulsionar a economia brasileira. Logicamente, uma economia mais robusta gera dividendos políticos, os quais, por sua vez, interessam aos congressistas.
No xadrez, esse tipo de raciocínio pode ser descrito como pensamento profilático e é um dos conceitos mais belo do jogo – uma vez que não está, por exemplo, ao alcance das máquinas. Aaron Nimzowitsch, um dos maiores mestres de xadrez do século XIX, descreveu o pensamento profilático como “a adoção de medidas destinadas a prevenir certos fenômenos indesejáveis sob um ponto de vista posicional”.
Mark Dvoretsky, um dos maiores Grandes Mestres de xadrez do século XX, foi além de Nimzo, notando que a profilaxia não se restringe somente aos seus movimentos – ações para prevenir fenômenos indesejáveis –, mas também aos movimentos do adversário, ou seja, no que ele está pensando e qual a sua estratégia para, do mesmo modo, evitar fenômenos indesejáveis para seu jogo. É contraintuitivo pensar no jogo do outro, já que se gasta muita energia com a própria estratégia. Grandes jogadores, porém, conseguem vitórias importantíssimas por dominarem a profilaxia em seu sentido mais amplo.
A aprovação da reforma tributária torna-se mais provável também pela profilaxia do governo, deputados e senadores, a fim de evitar mais uma década de fracassos econômicos e consequente impopularidade. Evidentemente, nada na política é aprovado somente por boa vontade – assim como o enxadrista não entrega seu jogo antes de exaurir grande parte de suas defesas.
Por isso, por mais irônico que se possa parecer, é importante notar que até peões ganham jogos. Todas as peças do tabuleiro têm suas funções, e a estratégia vencedora é justamente aquela que as usa com harmonia, sabedoria e eficiência. Não adianta os presidentes da República, da Câmara e do Senado serem grandes apoiadores das reformas se os outros 512 deputados e 80 senadores não estiverem no processo.
Passadas duas décadas deste século, o Brasil precisa, para poder lograr sucesso nos próximos 80 anos, de um novo arranjo legal e de uma reestruturação profunda do Estado. Assim sendo, um grande capítulo da história do nosso País pode ser escrito neste próximo semestre e em 2021 – lembrando que estudos recentes mostram que uma reforma tributária robusta pode significar um aumento de 20% no PIB potencial em 15 anos.
Este jogo com peões, bispos, damas e torres precisa ser necessariamente construído pelo diálogo, pelo consenso e com muita paciência, mas sem perder de vista, porém, o objetivo final: sair vitorioso. Quase no meio-jogo do mandato atual, o governo tem a oportunidade de iniciar outra partida com uma boa abertura, estudando previamente seus movimentos e montando a estratégia mais adequada para atingir seu objetivo. Em um jogo como o xadrez, pouco vale a sorte ou o acaso; no jogo da política, idem. Sentar para uma partida estando desprovido de uma estratégia e sem estudar é mais que perigoso: é fórmula certa para o fracasso.
Um abraço,
Felipe Berenguer
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