Na coluna de hoje vou falar sobre o setor de construção civil, os impactos da pandemia no Covid-19 e porque eu acredito que as empresas imobiliárias sairão mais fortes da quarentena que paralisou a economia brasileira de março a junho de 2020.
O que é morar bem?
Antes da quarentena, morar bem em São Paulo era morar perto do trabalho, para poder ir trabalhar a pé e não ficar preso no trânsito. Exatamente o meu caso. Moro bem perto do escritório da Levante, na região da Faria Lima. São dez minutos a pé.
Entretanto, depois de mais de quatro meses trabalhando em casa, no esquema “home office”, morar num apartamento em São Paulo não ficou tão interessante assim, não é mesmo?
Todos os meus amigos e conhecidos que tiveram a chance decidiram ir para a chácara ou o sítio no interior, ou para a casa na praia, para desfrutar de tranquilidade, espaço e qualidade de vida. Confesso que estou com uma “inveja branca” de quem está na praia longe do barulho dos motoqueiros que aceleram as suas motos no ponto morto para “tirar uma onda” nas ruas de São Paulo.
Passando mais tempo em casa, geralmente com a família, as pessoas começaram a dar mais importância para as suas casas e apartamentos.
Depois da pandemia o “home office” fará parte da nova normal para os trabalhadores, não será mais tão valioso morar do lado dos escritórios, que terão menos demanda por espaço corporativo para as empresas.
Por outro lado, a procura por imóveis residenciais ficará ainda mais alta, não necessariamente na região da Faria Lima, nos bairros do Itaim ou da Vila Nova Conceição, que têm os metros quadrados mais caros de São Paulo.
A partir de agora o “morar bem” poderá ser em outros bairros, nem sempre perto do trabalho, com valorização das casas em condomínio, com mais espaço e qualidade de vida. Afinal, as pessoas não vão mais precisar estar nos escritórios todos os dias e o tempo todo.
Porque o brasileiro gosta tanto de imóveis?
Eu acredito que o brasileiro tradicionalmente gosta bastante de imóveis por cinco motivos:
1) reserva de valor, não sujeito à confiscos do Governo;
2) não existe marcação à mercado no valor dos imóveis, assim os investidores pensam que nunca perdem dinheiro;
3) uma poupança forçada do investidor que precisa pagar a prestação do financiamento imobiliário;
4) perfil rentista do brasileiro que sempre foi muito acostumado com altas taxas de juros (cultura do CDI de 1 por cento ao mês) e;
5) aspecto familiar do brasileiro que gosta de ter o “seu cantinho”.
Zélia Cardoso de Melo e confisco do dinheiro dos brasileiros
Eu ainda era adolescente, mas me lembro muito bem do maior confisco da poupança brasileira da história: no dia 16 de março de 1990 a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, bloqueou os recursos da poupança e de todas as aplicações financeiras acima de 50 mil cruzados novos (cerca de seis mil reais), o chamado “Plano Collor”.
O principal objetivo do bloqueio era reduzir o dinheiro em circulação na economia e inibir o consumo. Eu me recordo que o meu pai ficou muito nervoso e a nossa família não tinha dinheiro para pagar as contas mais básicas.
Quem tinha imóveis teve os seus recursos preservados, pois podiam receber aluguel e vender as propriedades para conseguir dinheiro. Desde essa época, imóveis são considerados como reserva de valor e livre do possível do confisco do Governo.
Até hoje muitas pessoas me perguntam se existe a possibilidade de o Governo confiscar as aplicações financeiras, resultado do trauma do Plano Collor.
Em tempo, acredito que a hipótese de confisco das aplicações financeiras dos brasileiros por parte do Governo Federal é remotíssima nos tempos atuais com o Paulo Guedes no Ministério da Fazenda.
Queda na taxa de juros (Selic)
A queda na taxa de juros (Selic) para o patamar atual de 2,25 por cento ao ano, com previsão de 2 por cento em dezembro de 2020, é muito positiva para o mercado imobiliário. Não custa lembrar que a taxa Selic era de 4,25 por cento em fevereiro de 2020.
A queda na taxa de juros vai atrair ainda mais compradores/investidores para os imóveis residenciais. Isso é positivo para as incorporadoras imobiliárias e impulsiona a retomada nos lançamentos imobiliários.
Saldo da poupança
A captação líquida da poupança foi de 20,5 bilhões de reais em junho e acumula uma entrada de 84,4 bilhões de reais no primeiro semestre de 2020, com saldo de 944 bilhões de reais em junho de 2020.
A poupança é a fonte de recursos (“funding”) mais barata para os grandes bancos, e existe uma obrigatoriedade por parte do Banco Central (BC) de que os bancos comerciais direcionem 65 por cento dos recursos para o financiamento imobiliário. Portanto, o crescimento do saldo de poupança fornece recursos suficientes para o crescimento do crédito imobiliário.
Crédito Imobiliário
Segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o volume de crédito imobiliário com recursos da poupança movimentou 7,1 bilhões de reais em maio (6,7 bilhões em abril), crescimento de 8,2 por cento em relação a maio de 2019.
Nos cinco primeiros meses de 2020 o volume de crédito acumulou 34 bilhões de reais, crescimento de 23,2 por cento em relação ao mesmo período de 2019. Nos últimos 12 meses (junho de 2019 a maio de 2020) o crédito imobiliário atingiu 85,1 bilhões de reais, com forte alta de 30,5 por cento em relação aos 12 meses anteriores.
Queda no custo do financiamento imobiliário
Os bancos mais tradicionais na concessão de crédito imobiliário (Caixa Econômica Federal e Santander) reduziram as taxas de financiamento habitacional da faixa de 8 a 9 por cento ao ano (mais TR) em 2019 para o patamar de taxa de juros de 7 por cento ao ano.
Essa queda de quase 1 ponto percentual reduz bastante o valor da parcela do crédito imobiliário e torna uma parcela maior da população elegível que pode pagar o financiamento.
Em resumo, se o comprador conseguiu manter o seu emprego e renda, em algum momento depois da pandemia a confiança do consumidor vai se recuperar para a compra do imóvel. Com ampla oferta de crédito espero uma recuperação na demanda por imóveis no segundo semestre de 2020.
Demanda por imóveis será maior depois da pandemia
O cenário macroeconômico está muito positivo para o setor imobiliário, que levou um grande susto com a quarentena na economia para combater a Covid-19. Acredito que foi mais uma paralisação na demanda do que uma reversão de tendência.
Com a reabertura dos estandes de vendas e da economia como um todo, acredito que o setor imobiliário, mais especificamente o segmento voltado à média e à alta renda, deverá sair mais forte depois da pandemia.
Ampla oferta de crédito imobiliário, taxa de juros (Selic) na mínima histórica e uma retomada no nível de lançamentos e vendas são esperadas daqui para frente.
As empresas fizeram ofertas subsequentes de ações (follow-on) e abriram o capital na B3, portanto estão mais capitalizadas para financiar o seu crescimento com aquisições de terrenos.
Por último, se o brasileiro já gostava muito de imóveis antes da Covid-19, agora a demanda aumentou, com as famílias brasileiras dando ainda mais valor para o “morar bem”.
Abraços,
Eduardo Guimarães