Dizem por aí que o brasileiro, se depender da política, não consegue ter uma semana de paz. Arrisco dizer que, de fato, fica difícil ter estômago para digerir todas as reviravoltas envolvendo políticos, governos etc. Até por isso – e apesar de acreditar muito na política e no futuro dela neste País – entendo o desinteresse geral de muitos quando esse assunto vem à tona.
Na semana passada, escrevi sobre as eleições americanas. Pretendia retomar o objeto de análise na coluna de hoje. A máxima supracitada, porém, obrigou-me a adiar o texto sobre nossos vizinhos continentais para o sábado que vem. Ultimamente, os fatos estão aí para comprovar por que que a política contamina o nosso cotidiano – inclusive no âmbito dos investimentos.
Além da já esperada demissão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a grande novidade no horizonte político foi a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na época em que o 01 era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Queiroz estava – vejam que ironia – refugiado em um sítio localizado em Atibaia e de propriedade do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wasseff.
A prisão, per se, não chegou a afetar o humor dos investidores e, de fato, não pesa para o ambiente de negócios da Bolsa de Valores brasileira. É preciso, porém, ficar atento às repercussões de um caso que vai se desdobrando em ritmo não tão acelerado, mas constante. Cedo ou tarde, pode ser que um eventual envolvimento de Flávio Bolsonaro com o esquema ilegal de “rachadinhas” vire uma dor de cabeça para o governo.
Caso queira saber mais sobre o caso Queiroz, sugiro dar uma conferida neste meu artigo mais detalhado sobre as investigações. Fato é que, após ter sumido, Queiroz foi encontrado e preso preventivamente em meio às investigações. A sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar (que também trabalhou no gabinete de Flávio na época da Alerj), encontra-se foragida e têm mandado de prisão expedido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Outra reviravolta interessante desta história é que quem denunciou seu paradeiro, aparentemente, é uma das filhas do filósofo Olavo de Carvalho. Estariam esses diferentes grupos entrando em rota de colisão?
O senador Flávio Bolsonaro disse que encarava a prisão “com tranquilidade” e que ela seria “mais uma peça […] movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro”. Apesar de compreender a motivação de seu posicionamento, acredito que não há nenhuma motivação para deixar de investigar o caso porque ele pode, porventura, atingir o governo. A Justiça não pode ter preferências nem timing para agir.
O MP-RJ investiga supostos R$ 2,3 milhões desviados por funcionários do então gabinete do deputado estadual, entre 2003 e 2018. Queiroz seria o operador do esquema. O processo corre em segredo de Justiça, mas novas informações jogam maior luz às ilegalidades e podem desvendar a ligação com Flávio: cifras de transferências entre funcionários do gabinete e Queiroz vão aparecendo, ao mesmo tempo em que promotores vêm afirmando que o próprio ex-assessor parlamentar foi responsável por pagar despesas pessoais do 01.
Os depoimentos de Queiroz poderão dar novo ritmo à investigação. Cabe ao Ministério Público apresentar eventual denúncia contra o filho do presidente. Não devemos, porém, esperar um depoimento 100% transparente. Na política, há uma máxima de não deixar pontos soltos. Ademais, certamente o ex-assessor estava no sítio do advogado da família Bolsonaro por proteção – ainda que não esteja provada a relação ilícita entre Flávio e Queiroz. É sempre pior deixar seus aliados desamparados.
De qualquer forma, as consequências mais imediatas desta prisão podem ser elencadas (da maior para a menor probabilidade de ocorrência) deste modo: a) o Centrão aproveita-se do momento de instabilidade para aumentar o custo de seu apoio ao governo; b) o cerco da investigação se fecha e uma eventual confirmação de Flávio no esquema enfraquece o poder político do presidente e de seus filhos; c) supondo que o senador seja denunciado, o presidente adota a linha – como já declarou anteriormente – de que seu filho deve ser punido, caso seja culpado; e d) Queiroz aceita uma delação premiada e abala os mercados – improvável dada a proximidade dele com a família.
Minimizar os efeitos da investigação sobre o filho, por não envolver diretamente o governo, é arriscado, no mínimo. A prisão não é um game changer, mas sim parte de um processo em andamento que pode, evidentemente, ter consequências negativas para a governabilidade e, por lógica, para a agenda de reformas que tanto nos interessa. Nenhum governo tem cartuxos ilimitados para gastar, tendo que escolher, frequentemente, entre a promoção de agendas e a sua própria sobrevivência política.
Sendo assim, vou continuar analisando os episódios políticos que, ao cabo, podem afetar seus investimentos – sempre lembrando que cada um é livre para interpretar e gerenciar seu dinheiro da forma que melhor desejar. A minha maior recomendação, na verdade, é de caráter mais folclórico: seja lá como for, evite levar seus problemas para Atibaia!
Um abraço,
Felipe Berenguer
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