Como previsto, o ministério da Economia entregou ao Congresso Nacional, na última terça-feira (5), a primeira fase do chamado Plano Mais Brasil – um pacote de medidas posteriores à reforma da Previdência. Os projetos, três Propostas de Emenda à Constituição, foram entregues pelas mãos de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni.
Segundo descrição do próprio site do ministério, inicia-se “Uma ampla e decisiva agenda de Transformação do Estado – capaz de impedir novas crises das contas públicas como o país atravessou nos últimos anos, trazendo estabilidade fiscal à União e aos entes subnacionais – tem início com a apresentação de três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) no Senado Federal”. Dois pilares principais sustentam todas as modificações sugeridas pela equipe econômica na legislação: uma maior autonomia dos gestores públicos no comando orçamentário e mais responsabilidade no controle dos gastos.
Fato é que o orçamento público brasileiro é o mais engessado de toda a América Latina, segundo o Banco Mundial. São 94% dos gastos já com destinação pré-definida. Ademais, 67% das despesas primárias da União são indexadas, o que também acentua para cima a porcentagem de gastos obrigatórios, tanto em relação ao PIB quanto em relação aos discricionários. Neste contexto, a situação de curto-médio prazo é um país que, se continuar com a trajetória atual, deve ter seus gastos discricionários reduzidos a zero – a reversão do rombo, com a reforma da Previdência, não será rápida o suficiente.
No gráfico abaixo, estão as áreas de atuação do Governo Federal com maior despesa. Deixando a Previdência Social de lado (já sabemos de sua complexidade), saúde e educação estão classificadas logo em seguida justamente por conta da remuneração com os servidores ligados a essas áreas, tão importantes ao país.
Nos entes subnacionais, a realidade também reflete um orçamento pouco flexível. Cerca de 60% da Receita Corrente Líquida (excluídas as receitas de transferências constitucionais e outras transferências legais) dos gastos em estados e municípios é com pessoal. Uma outra boa fatia – 37% das receitas livres de imposto – tem de ser, por norma constitucional, destinada à saúde e à educação.
Neste contexto, a reforma previdenciária é pouco eficiente para sanar o aperto fiscal que enfrentaremos nos próximos anos e a PEC do Teto de Gastos, aprovada no governo Temer, insuficiente para promover o equilíbrio fiscal necessário – imaginava-se que o último ex-presidente pudesse dar continuidade às reformas, algo que não ocorreu.
O Plano Mais Brasil
Por isso, os esforços de Paulo Guedes para consolidar, de vez, um Estado – e seus entes subnacionais – responsável fiscalmente, evitando futuras catástrofes, tais como a crise ocorrida em 2015 e 2016. Nessa primeira fase do Plano Mais Brasil, são três PECs: a PEC 186/2019, do pacto federativo; a PEC 187/2019, apelidada de PEC emergencial; e a PEC 188/2019, ou PEC dos Fundos Públicos.
A primeira PEC, do pacto federativo, busca destinar mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios por meio dos 3DS – Desobrigar, Desindexar e Desindexar. Ela comporta uma série de medidas, como, por exemplo, a reavaliação periódica (de 4 em 4 anos) dos benefícios tributários concedidos pelos entes federativos. No âmbito federal, os benefícios terão um novo teto a partir de 2026: não poderão ultrapassar 2 por cento do PIB. O impacto da PEC do pacto deve chegar a 400 bilhões de reais para os entes subnacionais nos próximos 15 anos.
A segunda PEC tem o mesmo conteúdo da PEC do pacto federativo, mas com alguns ajustes de regras para estados e municípios. Ademais, a PEC emergencial estabelece medidas temporárias (por 2 anos) para que os entes federativos recuperem sua saúde financeira. Estima-se que até 50 bilhões de reais estarão disponíveis para investimentos nos próximos 10 anos com a PEC emergencial.
Por fim, a PEC dos Fundos Públicos busca extinguir a grande maioria dos 281 Fundos Públicos existentes no Brasil, que têm cerca de 220 bilhões de reais parados nas contas. O objetivo deste projeto é liberar os recursos para o pagamento dos juros da dívida pública e, ainda, tornar competência (via lei complementar) do Legislativo a criação de novos públicos.
Como se tratam de temas da Federação, as três PECs terão sua tramitação iniciada no Senado Federal. Nas próximas fases da ambiciosa agenda – “Mais Brasil, menos Brasília” –, a equipe econômica deverá enviar uma proposta de reforma administrativa para a Câmara, uma proposta de reforma tributária para a comissão mista, que discutirá os projetos já existentes acerca do tema, e, por fim, o projeto de lei sobre privatizações.
Naturalmente, não é esperado que os três projetos sejam aprovados na íntegra. Existem pontos, dizem políticos, que não irão prosperar. Temas espinhosos, como a aglutinação de municípios com menos de 5.000 habitantes que não conseguirem ter 10% da receita proveniente de impostos municipais, devem ser descartados de antemão. O próprio Paulo Guedes já admitiu que nenhum ponto é inegociável, acenando para os parlamentares fazerem os ajustes necessários aos avanços dos projetos.
De qualquer forma, uma leitura inicial do pacote dá condições para que o país transforme estruturalmente sua condição fiscal. Medidas de governança fiscal, como o novo efeito vinculante das Orientações Normativas do Tribunal de Contas da União (TCU) para Tribunais de Contas do Estado (TCE) e Tribunais de Conta do Município (TCM), ou, também, a criação do Conselho Fiscal da República para monitorar periodicamente a situação fiscal dos entes federativos, afastam a má gestão das contas públicas. Novas regras sobre o processo orçamentário também vão no sentido de tornar a sustentabilidade fiscal uma obrigação, afastando quase que em definitivo o Estado brasileiro de grandes descontroles de gastos.
Junto a essa agenda de melhor governança, o governo estabelece – principalmente na PEC emergencial – medidas extraordinárias para facilitar a correção da trajetória da dívida e do déficit público, seja em âmbito nacional ou subnacional. Gatilhos serão acionados para quando a regra de ouro for descumprida, no caso da União, ou para quando as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes, no caso de estados e municípios. Entre os gatilhos, a redução da jornada de trabalho de servidores – acompanhada da redução de seus rendimentos –, a suspensão de reajustes salariais, da criação de cargos ou concessão de benefícios e a impossibilidade de criação de mais despesas obrigatórias são apenas alguns exemplos.
Assim, está dada a nova agenda para o pós-Previdência. O governo mostrou suas prioridades e preferências, cabendo agora ao Congresso acatá-las ou estabelecer, à sua maneira, quais serão as medidas prioritárias do Plano Mais Brasil. Agora é esperar os próximos capítulos.
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