Qualquer um de nós já deve ter proferido para si mesmo: “Nossa, como as pessoas são egoístas”. A ideia tem mesmo seu apelo empírico. Sobretudo quando analisamos as ações dos outros, que, não sem certa comicidade, vemos invariavelmente como mais egoístas que nós mesmos — uma manifestação da ilusão de superioridade, um viés cognitivo que nos inclina a superestimar nossas habilidades relativas a outrem. Pois é. Os outros é que são egoístas. Mas e a lei da reciprocidade?
Não é surpreendente que as forças do egoísmo estejam no centro das mais variadas teorias econômicas que tentam explicar – a partir de escolhas individuais – fenômenos tão distintos quanto corridas bancárias e alocação de recursos dentro da família. Os economistas partem da suposição de que é o desejo de fazer o que é melhor para nós mesmos que governa, em última instância, nosso comportamento nos mais variados contextos. Não parece uma hipótese distante da realidade.
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A LEI DA RECIPROCIDADE
Alguns economistas ligados ao que hoje é conhecido como “economia comportamental” começaram a desafiar essa visão do que governa o comportamento humano. Há evidência, dizem eles, de que em um número razoável de ocasiões as pessoas desviam dessa descrição de comportamento self-interested.
Uma dessas ocasiões seria, por exemplo, quando as pessoas agem de forma simpática e materialmente generosa com estranhos com quem nunca mais interagiram simplesmente porque esses estranhos nos dispensaram o mesmo tipo de tratamento. A força da reciprocidade se superimporia sobre nossas inclinações egoístas mais primitivas e nos faria repagar o apreço ou retribuir a sacanagem mesmo quando isso não traz nenhum ganho material.
Aqui faço uma observação. Pessoalmente não compro a ideia de que qualquer tipo de conduta generosa ou mesmo altruísta pode ser vista como um distanciamento do que supostamente prescreveria o modelo canônico do sujeito espertão que só pensa nele.
Penso que os “pais fundadores” da disciplina descreveram certos pressupostos comportamentais em termos gerais o suficiente para que até o mesmo o ato da mais aparente bondade possa ser acomodado por um modelo de agente egoísta. Afinal, como excluir que o ato de dar uma esmola não foi governado por estrito auto-interesse se soubéssemos que o ato trouxe tremenda satisfação (por aliviar culpa, por exemplo) para quem o praticou? Mas divago. Voltemos à questão da reciprocidade.
O PODER DA RECIPROCIDADE EM DISCIPLINAR MERCADOS
A ideia de que existem ao menos alguns indivíduos obedecendo uma espécie de lei da reciprocidade – retribuir bondade com bondade e maldade com maldade – parece simples e óbvia, mas tem implicações incrivelmente poderosas.
Em situações onde há incentivos para “pegar carona”, por exemplo, nenhum tipo de resultado dependente de cooperação deveria ser esperado. Pelo menos teoricamente. Mas já foi demonstrado, ao menos em experimentos de laboratório, que a presença de alguns indivíduos adeptos da “lei da reciprocidade”, desde que podendo gozar de alguma habilidade punitiva, pode ser capaz de fazer emergir cooperação onde seria previsto haver nenhuma.
O comportamento recíproco, portanto, ajuda a disciplinar o funcionamento de mercados e instituições na presença de maus incentivos e contratos incompletos.
A LEI DA RECIPROCIDADE DO MUNDO DOS NEGÓCIOS
Muitas empresas nutrem de forma explícita, sistemática e diligente a ideia de que possuem uma cultura “consumidor-cêntrica” – o “consumidor”, diz o aforisma, “está sempre certo”. Satisfazer as necessidades do consumidor, colocando-se em sua pele e tentando antecipar suas necessidades e a melhor forma de atendê-las, seria o mandamento governando a vasta maioria das empresas no século XXI.
Pelo menos no papel é assim. A Amazon, por exemplo, escreveu na sua “missão” – o objetivo de médio/longo prazo da empresa – que seu objetivo é ser a empresa mais “consumidor-cêntrica” da terra. De fato, em pesquisas junto aos consumidores, a Amazon aparece consistentemente como um dos melhores “customer services” do mundo.
Colocar o consumidor no pedestal está, aparentemente, intimamente ligada à ideia de reciprocidade. A ideia aqui é que um ciclo virtuoso de generosidade pode ser criado quando dispensamos gentileza para os outros. A empresa trata bem o consumidor e ele retribui depositando seus votos monetários nos bolsos da empresa e recomendando que amigos e familiares façam o mesmo. Todo mundo ganha.
O CONSUMIDOR É PRÍNCIPE, MAS A EMPRESA É REI
O princípio é, portanto, simples e faz todo sentido. A empresa prioriza os desejos do consumidor e deixa que a lei da reciprocidade faça seu trabalho. Dado o quão simples e “acessível” é o funcionamento da “lei da reciprocidade” nos mercados, é absolutamente enigmático que as empresas pareçam inteiramente ignorantes de “lei” tão simples quanto importante para os negócios. Abaixo, listo uma série de práticas que parecem violar esse princípio.
A lista representa tudo que uma firma séria, que compreende a “lei da reciprocidade”, não deveria fazer. É uma receita de como perder clientes.
As implicações esperadas dessas práticas (perda de clientes) não são tão imediatas e impiedosas como alguém esperaria. Muitas empresas, sobretudo no Brasil, sobrevivem a despeito de fiéis praticantes das práticas abaixo (que, reconheço, têm gravidade distinta). Mas isso deve-se em boa medida ao fato que muitos mercados são “finos” do lado da oferta (sem muita concorrência) e firmas incumbentes e entrantes parecem, por algum tipo de inércia bizarra – cujas razões vão além do escopo desse post – seguir essas práticas “comuns”.
- NÃO DIVULGAR O PREÇO NO WEBSITE
É muito comum entre empresas que vendem serviços ou produtos com algum grau de customização. Você entra no site e, quando tenta ter uma ideia do preço do produto ou orçamento do serviço, é logo direcionado para um telefone. “Sobre preço, consulte-nos”. A experiência é frustrante.
Merecia uma nova coluna discutir a “rationale” econômica para esse tipo de jogo de esconde-esconde – porque há razões para justificar tanto a não divulgação quanto a divulgação transparente de preços, dependendo de uma série de características do mercado. As empresas podem não divulgar preço para forçar um contato pelo telefone ou pessoal ou mesmo para evitar uma guerra de preços em um mercado cujo produto é mais ou menos homogêneo.
Minha hipótese preferida é que a prática de não divulgar os preços “upfront” ao consumidor é reflexo de um mix de inércia (“todo mundo faz”) e incompreensão sobre o próprio processo de produção do bem ou serviço (o que dificulta um processo transparente de apreçamento).
Justificável como seja, a prática pode ser, em muitas situações, um erro fatal. Tudo bem que a firma saiba que a taxa de “fechamento” de negócios entre clientes que entrem em contato, interessados em preço, por outros canais (fone, reuniões em pessoa) seja relativamente alta. Mas a não divulgação de preços para atrair o consumidor para esses canais de vendas, traz dois custos para a empresa que a tornam sem efetividade.
Um custo é o desperdício de recursos da empresa atendendo clientes cujo preço de reserva é abaixo do preço de reserva da empresa e que não entrariam em contato se os preços fossem divulgados – e para esses, nenhum montante de conversa ao telefone irá convencê-lo de comprar seu produto (a “disposição a pagar” do sujeito está simplesmente muito abaixo do preço de reserva da empresa).
O outro custo é o faturamento que deixou de ser obtido pela desistência de clientes que foram desestimulados pela política de impor um custo de transação sobre o consumidor para que ele descobrisse o preço do produto/serviço.
É difícil compreender que uma empresa com alguma experiência na produção dos serviços e produtos que oferece não consiga compilar e comunicar ao consumidor ao menos estimativas aproximativas dos limites de variação do preço do que oferece sob o argumento de que “depende de muita coisa”. Não divulgar o preço pode jogar contra a firma.
- VENDER “PRODUTOS” E NÃO SOLUÇÕES
Legal que sua empresa dedicou horas para criar “caixinhas” com rótulos que pudessem resumir os fantásticos produtos e serviços que você oferece — “Drop box business”, “[nome da empresa] Internet Care”, “Suporte X Plus”. O único problema com essa prática é que seu consumidor não participou desse processo e não tem qualquer responsabilidade em estar familiarizado com o que exatamente cada “rótulo”/”produto” significa.
Desculpe partir seu coração, mas a verdade é que esse rótulos que sua empresa paciente e criativamente produziu não dizem nada ao consumidor. E gastar o tempo do consumidor que o contata interessado em buscar soluções para o problema dele/dela explicando as maravilhas de cada produto é improdutivo e frustrante. O foco da empresa deve ser em entender o problema e propor uma solução. O business de rotular essa solução deve ser trabalho interno da empresa com o qual o consumidor não deve ser importunado.
- COLOCAR O ÔNUS DE DETALHAR A SOLUÇÃO NO CLIENTE
É claro que o preço a ser cobrado por serviços muito customizados dependem de muitas especificações. Mas a empresa precisa compreender o custo de transação que coloca sobre o consumidor ao pedir que ele detalhe coisas que ele provavelmente desconhece para se proteger de alguma contingência – uma demanda adicional, o desenvolvimento de um detalhe não previsto. A empresa precisa entender que sempre haverá, inevitavelmente, algum tipo de subsídio cruzado – por conta desses imprevistos, a margem de lucro dos projetos flutuará em torno da margem desejada; em alguns projetos ganhará mais, em outros menos.
Tentar impor ao consumidor o ônus de refinar suas demandas para minimizar a variação de margem de lucro pode não compensar a perda de negócios que esses “custos de transação” podem causar.
- ATENDIMENTO TARTARUGA AO CONSUMIDOR
Quem já ligou para um provedor de TV à cabo ou banda larga com um problema sabe o quão traumático a experiência pode ser. Os obstáculos até se chegar à solução do seu problema são muitos. É um teste de paciência.
Mais irritante do que isso, talvez, é quando você liga para a empresa e diz que está interessado em contratar seus serviços e eles demoram semanas, às vezes meses, para responder. Sempre oferecendo uma desculpa — “menos mal”, eles devem pensar.
A verdade é que a demora além do que é razoável para atender o consumidor penaliza enormemente a empresa. E fazê-lo com oferta de desculpas – sinceras ou não – nada mais é do que um sinal de antiprofissionalíssimo dado que o consumidor não pode, nem merece, ser penalizado pelas intempéries do proprietário ou dos funcionários da empresa. Um mês para dar um orçamento de um serviço ou produto é simplesmente inaceitável; a menos, é claro, que você esteja comprando um carro de três andares com sete rodas ou uma máquina de embalar chicletes.
Se a empresa não consegue atender com velocidade as demandas dos consumidores (potenciais ou não), é sinal que precisa rever seu workflow de produção e, talvez, contratar mais ou melhores pessoas.
- COLOCAR BARREIRAS PARA O CONSUMIDOR NO CAMINHO DA SOLUÇÃO
Você sabe o que quer. Seu desejo é apenas comprar o produto, pagar e esperar pela entrega. Mas muitas empresas insistem em colocar obstáculos no meio do caminho – algo muito comum na venda de bens e serviços através da internet, onde os websites parecem desenhados mais para satisfazer desejos estéticos de designers e desenvolvedores e menos em resolver o seu problema da forma mais rápida possível.
Os obstáculos colocados são muitos: navegação complicada, organizada em torno de rótulos poucos descritivos (“Sobre”, “Produtos”, “Blog”) e poluída de conteúdo de interesse lateral; processos de pagamento complicados, com formulários longos e captchas complicados. Tudo isso são barreiras que vão, quase certamente, “quebrar” o processo de venda no meio.
“Lembre-se do aforisma: “tempo é dinheiro”. Se você sabe qual problema o consumidor está tentando resolver quando procura a sua loja/site, coloque-o no caminho mais curto para encontrar a solução eu você está oferecendo. Colocar barreiras que alonguem esse caminho vai apenas aumentar a chance dele desistir.
APLICANDO A LEI DA RECIPROCIDADE
O segredo para evitar esses e outros problemas que podem levar seu negócio a falência é relativamente simples e já é conhecido desde Confúcio: “Não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você”.