Olá, investidores.
Tudo bem?
No Gabinete Anticaos de hoje, vamos abordar os principais destaques da trigésima nona edição do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), o qual é produzido pela Instituição Fiscal Independente (IFI) e corrobora a nossa visão para a economia brasileira em 2020.
Antes de aprofundar o conteúdo, porém, vale um prefácio sobre a instituição, sua criação e seus relatórios. A Instituição Fiscal Independente foi criada, por lei, no fim de 2016 com o objetivo de ampliar a transparência das contas públicas brasileiras via divulgação de relatórios e notas técnicas sobre o quadro fiscal do país.
Inspirada no Congressional Budget Office, instituição do congresso americano de análise independente de questões econômicas e orçamentárias, a IFI vem ocupando a vanguarda das pesquisas de cenários fiscais e orçamentários no Brasil. Adotamos uma prática de sucesso dos EUA e já replicada em Legislativos ao redor do mundo – na Austrália, na Coréia do Sul, no México, na Itália, no Canadá, entre outros países.
Em 2016, o economista Felipe Salto foi escolhido e sabatinado pelo Congresso para ficar à frente da IFI, como Diretor-Executivo, por seis anos. No Conselho de Assessoramento Técnico da Instituição, estão nomes gabaritados como o de Bernard Appy, Gustavo Loyola e Yoshiaki Nakano. Salto e sua equipe, eminentemente técnica, produzem uma série de relatórios relevantes para dar transparência ao processo de tomada de decisão sobre o uso de recursos públicos. Assim, combate-se também a falta de realismo nas projeções macroeconômicas e fiscais.
No relatório mais recente, publicado no meio deste mês, o órgão atualizou seus cenários macroeconômicos e fiscais para o Brasil – levando em conta, para isso, a pandemia do novo coronavírus. Também trouxe à discussão algumas importantes premissas – muitas já comentadas por aqui. Primeiramente, que o impacto da Covid-19 na economia no momento é de difícil mensuração, mas passa fundamentalmente pela duração das medidas de distanciamento social e pelo impacto do coronavírus nas atividades produtivas do País e do resto do mundo.
Em segundo lugar, há a percepção da delicadeza do cenário fiscal neste ano e o cuidado necessário para que o choque não traga efeitos permanentes sobre o resultado primário do País. Em outras palavras, é imprescindível que o País tome medidas para mitigar os efeitos da crise, mas deve-se buscar o máximo de eficiência sobre tais gastos e evitar, a todo custo, o aumento de gastos não relacionados ao coronavírus e/ou mudanças no arranjo financeiro entre a União e entes subnacionais.
Ressalvados os pontos acima, o relatório já traz alguns indicadores que traduzem o início da deterioração econômica em função do coronavírus. O primeiro deles está retratado no gráfico abaixo: em sondagem prévia de abril, os índices de confiança dos consumidores e dos empresários sofreram forte retração, atingindo também as mínimas nas respectivas séries históricas.
Após já terem recuado significativamente em março, quando comparados com o mês de fevereiro, os índices voltaram a cair em abril. O Índice de Confiança dos Empresários (ICE) saiu de 80,7 pontos para 53,7 pontos, enquanto o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) decresceu 22,1 pontos, de 80,2 para 58,1. A queda da confiança no mês decorreria tanto do cenário atual, mais negativo, quanto da piora das expectativas futuras.
O RAF ainda reitera a dificuldade na realização de projeções macroeconômicas em um momento de alta imprevisibilidade. É possível comprovar o momento nebuloso ao se observar os gráficos (ver abaixo) mais recentes (março de 2020) do Boletim Focus – distribuições de frequência – sobre o PIB para 2020 e até mesmo para 2021. Em uma janela de dois meses, a amplitude de distribuição das projeções apresentou um aumento significativo. Ou seja, os analistas de mercado passaram a ter opiniões significativamente mais divergentes em relação à projeção para o PIB.
Cientes de que uma desaceleração é líquida e certa, o exercício que devemos fazer – ainda que com uma dose de abstração – é sobre o seu tamanho. Para isso, vamos usar como parâmetro o quadro de projeções elaborado pela Instituição Fiscal – com base em um estudo recente da OCDE. No quadro a seguir, está dimensionada a variação real do PIB (%) em 2020 – de acordo com o tempo de distanciamento e o percentual de redução da atividade produtiva.
Como já mencionado em episódios anteriores do Gabinete, nosso cenário-base para o PIB de 2020 é de 0,0%, distante da média (-2,96%) do último Boletim Focus, divulgado na última sexta-feira (17). Levando em conta que o principal foco da doença no Brasil é o estado de São Paulo, trabalhando com os números oficiais divulgados de casos e mortes e na expectativa de uma reabertura gradual da economia paulista a partir da segunda semana de maio, teríamos que constatar um percentual entre 40 e 45% de redução na atividade produtiva durante o isolamento para, hipoteticamente, termos uma variação real de aproximadamente 0,0% no PIB em 2020.
Já a IFI projeta crescimentos de -2,2%, 0,5% e -5,2%, respectivamente, no cenário base, otimista e pessimista para 2020. É interessante notar que, no cenário base, o órgão usa como premissa um isolamento social até o fim de junho e redução de 60% da atividade setorial. No cenário otimista, haveria isolamento até o fim de abril e uma redução de 45% da atividade. Por fim, já no cenário pessimista, o isolamento duraria até o fim de agosto e haveria uma redução de 65% da atividade.
Dadas as incertezas sobre o crescimento econômico de 2020, o que parece mais consensual é que os impactos da pandemia devem produzir efeitos colaterais sobre o cenário econômico dos próximos anos. No entanto, eles podem ser revertidos pela atuação do governo federal por meio de políticas econômicas, reformas e outros instrumentos – por isso a alta relevância da agenda e intervenção do Executivo.
Como já abordamos também em outros episódios do Gabinete, o déficit primário de 2020 deverá ultrapassar, por larga margem, a previsão inicial (R$ 124 bilhões) – por conta dos aumentos extraordinários. Há de se olhar também a óptica da receita primária, que também deve ser menor que a prevista anteriormente por causa da desaceleração econômica. De acordo com as estimativas do novo Relatório Fiscal, o déficit primário do governo central para o ano deverá ser de R$ 514,6 bilhões (ou 7% do PIB), refletindo a frustração de receitas na casa dos R$ 151,3 bilhões e um aumento na despesa primária de cerca de R$ 239,3 bilhões. Do lado das receitas, haverá queda nas receitas tributárias, na receita não recorrente (royalties), nos dividendos de estatais e nas concessões. Sob a perspectiva das despesas, entram na conta as medidas anunciadas pelo governo para auxiliar a saúde, empresas e grupos mais vulneráveis.
A opção considerada mais “natural” pelos mercados – para o financiamento desse rombo fiscal – é o aumento da dívida pública (no linguajar técnico, Dívida Bruta do Governo Geral – DBGG). Isso acarretaria a volta da trajetória de alta do endividamento brasileiro pelo menos até 2023, afastando novamente a sustentabilidade da relação dívida/PIB. Aqui, vale também ressaltar que existem outras opções sendo consideradas, como a expansão da base monetária (colocando mais dinheiro em circulação), a qual seria feita pelo Banco Central por meio da compra de títulos públicos. O tema, inclusive, vem sendo discutido no Congresso Nacional – por meio da PEC do Orçamento de Guerra.
No gráfico abaixo, temos a série histórica da Dívida Bruta do Governo Geral desde 2008 (reparem que a tendência era de estabilização).
De acordo com o cenário-base da IFI, a dívida pública deve encerrar o ano de 2020 em 84,9% do PIB, representando um aumento de 9,1 pontos percentuais em relação ao resultado de 2019. Com uma mudança dessa magnitude na curva, as taxas de juros menores não compensariam os efeitos negativos. No gráfico abaixo, é perceptível o deslocamento das curvas de projeções do relatório atual em relação ao último divulgado.
Após analisarmos as informações e projeções acima, a conclusão é que, independentemente do tamanho da desaceleração econômica brasileira neste ano – fique ela estagnada ou acarrete a maior recessão da história do País –, os desafios econômicos perdurarão pelo início desta próxima década. O Planalto, o Executivo e os entes subnacionais devem se policiar para evitarem um aumento excessivo de gastos ou a permanência deles após o fim do estado de calamidade pública. Por outro lado, a contaminação dos resultados primários para além de 2020 parece inevitável por conta das quedas de arrecadação, o que pode paralisar o Brasil na luta por um superávit.
Se 2020 é um ano atípico até do ponto de vista político, a urgência por esforços de autoridades para retomar o ajuste fiscal – via reformas macro, micro e de produtividade (este último aspecto sendo muitas vezes deixado de lado) – em curso no Brasil fica ainda maior. Quando a situação do coronavírus chegar a um desfecho, analisar o quadro fiscal brasileiro requererá cuidado redobrado.
Até breve,
Equipe Gabinete Anticaos