Olá, investidores.
Tudo bem?
O relatório de hoje (02) do Gabinete Anticaos foi escrito por José Luís Bevilacqua, formado em medicina pela PUC-SP em 1976 e especialista em Terapia Intensiva.
“Teoricamente, haveria 3 maneiras de acabarmos com a Covid-19. A primeira seria um confinamento social brutal, por tempo muito longo, no qual se evitaria ao limite qualquer aglomeração de pessoas e se testaria a população para o coronavírus, o que é obviamente impraticável quando o grau alcançado é o de uma pandemia – como é o nosso caso. A segunda maneira seria uma vacina que protegeria a muitos, mas ainda não a temos. E, por último, a terceira maneira consiste em deixarmos a exposição da população ao vírus ocorrer e, quando um percentual muito grande da população tivesse sido infectado, teríamos o fim da pandemia.
Em uma análise rápida das duas primeiras possibilidades, todos concordamos que o tempo necessário para concretizar a primeira, embora ainda não conhecido com precisão, seria longo o suficiente para destruir pilares sociais e econômicos; portanto, vê-se que, aqui, o remédio seria mais amargo e levaria a mais mortes do que a doença. No caso da segunda possibilidade, a da vacina, estima-se, nos casos mais otimistas, que a tenhamos só em um período de 12 a 18 meses. Portanto, neste momento, como não temos a ‘bala de prata’ – e como ela só estaria em condições de uso em um futuro distante -, resta-nos apenas a terceira possibilidade.
Entretanto, no caso da Covid-19, ela não é aplicável. Mas por qual razão? Porque o coronavírus tem características peculiares de rápida disseminação na população humana. Além disso, dentre indivíduos em que causa uma infecção mais grave (20% dos infectados), há um subgrupo menor em que as pessoas adoecem gravemente e necessitam de tratamento prolongado em regime de terapia intensiva e assistência ventilatória (cerca de 3 semanas em média). Aqui é fácil entender o motivo de haver uma preocupação mundial com o número de leitos e com os aparelhos de ventilação mecânica. Exemplificando, cada indivíduo que desenvolva a forma mais grave da doença, que tem sido chamada de ‘tormenta inflamatória’, necessitará de um leito e um respirador por, em média, 21 dias.
É por este motivo que medidas como o confinamento horizontal foram tomadas na tentativa de reduzir o pico de incidência da doença, que poderia ter um número superior de casos graves com relação à capacidade instalada total. Isso levaria à incapacidade de se atender muitos doentes, os quais morreriam por falta de leitos e equipamentos. Podemos ter o mesmo número de doentes de maneira escalonada (mais espaçada ao longo do tempo) e, com isto, conseguir dar a eles a chance de sobreviver. Esta situação de necessidade (demanda) maior que oferta ocorre – ou ocorreu – em quase todos os países que sofreram com a pandemia, inclusive na Alemanha, que tem uma das evoluções mais favoráveis até o momento. Lá, profissionais do Instituto Robert Koch relataram falta de álcool em gel e de máscaras nos primeiros dias da pandemia.
Outro aspecto que poderá ajudar na evolução da contenção da doença – e no tratamento de infectados – consiste no fato de que, a cada dia, teremos mais doentes se curando (os 80% que não apresentam sintomas – ou que os sentem de forma leve – vão se curar) e, assim esperamos, ficando imunes ao novo coronavírus. Isso também se aplica ao grande percentual dos que apresentarem um quadro clínico mais exuberante e aos doentes graves. Quando alcançarmos um percentual grande de indivíduos que, após terem a doença, desenvolverem imunidade, a doença tenderá a desaparecer. Para fins exemplares: em uma publicação brasileira na qual se testou a população exposta ao vírus Zica em Salvador, estima-se que 63% da população local tinham sido expostas ao vírus, o que, segundo as especulações dos pesquisadores, foi a causa principal do fim do surto (High Zika Virus Seroprevalence in Salvador, Northeastern Brazil Limits the Potential for Further Outbreaks).
A questão da imunização pelo contágio merece aqui um comentário. Tomamos emprestado da Imunologia, na área de imunização, os conceitos de imunidade coletiva e de efeito rebanho; imunidade coletiva é aquela adquirida após a vacinação de um grande percentual da população. Quando a temos presente, também temos o efeito rebanho, que consiste no caso daqueles indivíduos que, por qualquer motivo, não puderam receber a vacina, mas se beneficiaram do grande grupo imunizado. E é isso que queremos fazer atualmente, por semelhança, com os idosos da nossa população.
Após tudo isso, gostaria de fazer algumas considerações, criando assim uma fotografia do momento atual:
- Covid-19 é uma doença da qual, por ser nova, ainda conhecemos muito pouco e sobre a qual, a cada dia que passa, aprendemos coisas novas. Para um pequeno percentual dos que adoecem, ela não representa uma gripe, mas sim uma grave pneumonia.
- Muito do que está sendo feito e proposto pela ciência para reduzir o impacto da doença é baseado em dois fatores: no conhecimento histórico de outras epidemias e nas experiências vividas na China e na Itália.
- Muitos esforços estão sendo realizados em todo o mundo para a redução de danos. Para exemplificar, temos os casos dos grandes nomes da indústria automobilística, que estão envolvidos na fabricação de respiradores, ou o caso dos pesquisadores da Malásia e da Indonésia que publicaram um estudo elegante no qual avaliam o combate ao coronavírus pelo uso de vegetais como gengibre e cúrcuma – por meio de algumas substâncias ativas que eles têm.
- Hoje em dia, no mundo todo, todos os países que têm tradição em Saúde Coletiva e Epidemiologia – e a própria Organização Mundial da Saúde – recomendam o confinamento social como a principal medida a ser tomada pela população no combate à Covid-19. Acredita-se que, em determinado momento, esta medida será modificada, mas certamente será à luz da ciência. Alguns governantes a retardaram, mas já mudaram de posição. Outros estão arrependidos pelo retardo.
- Não há, até este momento, qualquer medicamento que possa, com segurança científica, ser indicado aos doentes contaminados pela Covid-19. Vários estudos com diversas drogas de diferentes grupos farmacológicos estão em andamento. O aforisma ‘primum non nocere’ (‘primeiro, não prejudicar’) deve continuar norteando atos médicos. Ademais, todos sabemos que medicamentos têm efeito adverso; e, em suma, é da análise do benefício frente ao efeito adverso que se norteia a prescrição, ou não, de uma droga.
- Ainda não sabemos como e em qual nível a temperatura ambiente mais elevada pode ser pior para o vírus, qual a influência da densidade demográfica para disseminação da Covid-19 e se a alta mortalidade na Itália está relacionada ao elevado percentual de idosos. No Japão, país com o mais alto percentual de idosos dentro da população, tem, até o momento, a pandemia comportando-se de modo diferente do que ela vem se comportando na Itália.
Para finalizar, uma posição pessoal. Não podemos, por não aceitar as recomendações da ciência, negar a chance de sobrevivência a qualquer paciente. E se porventura o desfecho for aquele indesejado, que possamos realmente nos solidarizar com as dores de cada família e evitar o custo emocional que a não possibilidade de sepultura de um ente querido causa a familiares – como vimos ocorrer na Itália. Poderemos ter problemas, falta de insumos, excesso de trabalho; mas, dentro de uma linha mestra, espero que a ciência nos norteie – e não crendices ou falta de empenho.”
Até breve,
Equipe Gabinete Anticaos