O noticiário desta segunda (30) começou ainda durante o fim de semana. Paulo Guedes, ministro da Economia, foi categórico ao afirmar que não deixará o governo. Além disso, ele afirmou que, após realizar o controle da epidemia, o governo buscará destravar reformas importantes, tais como as reformas administrativa e tributária e a privatização e o marco legal do saneamento básico.
No domingo (29), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu postergar o isolamento social até o dia 30 de abril, abandonando a ideia de religar a economia americana após o domingo de Páscoa.
A edição mais recente do relatório Focus, publicada nesta segunda-feira, mostra que o mercado financeiro também já colocou a retração da economia nas contas. As estimativas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) estão negativas pela primeira vez desde 2017. Agora, o prognóstico do mercado para o ano é uma retração de 0,48 por cento. Na semana passada, a projeção era de crescimento de 1,48 por cento; há quatro semanas, de aumento de 2,17 por cento no PIB.
Ainda na manhã desta segunda-feira, segundo o The Wall Street Journal, o governo chinês anunciou que, após dois meses de paralisação, “praticamente todas as principais indústrias chinesas” retomaram suas atividades.
Ademais, o índice VIX vem caindo nos últimos dias, sinalização importante de que o mercado passou a ter mais visibilidade diante da situação atual e começa a se acalmar diante do que vem pela frente. Mesmo assim, o índice ainda está em um patamar muito elevado, o que indica que a volatilidade deve continuar no curto prazo.
Um sinal disto é o pregão desta segunda. Ele começou no terreno positivo, com alta de 2,5 por cento, depois, por volta das 11 horas, voltou a oscilar próximo da estabilidade; agora, nesta tarde, já retornou à alta de 2 por cento.
Os dilemas econômicos e humanos em tempos de pandemia
Há uma semana atrás, estávamos convictos: quarentena geral para achatar a curva de novos casos do Covid-19. As consequências de não levarmos a sério a gravidade da rápida propagação do coronavírus têm sido amplamente divulgadas. No entanto, um lockdown duradouro também teria pesadas consequências na vida das pessoas, especialmente na dos mais pobres, os quais podem ver suas rendas caírem a zero.
Agora, aquela convicção de uma semana atrás deu lugar a uma série de questionamentos: “Será que estamos fazendo a coisa certa? Quantos pacotes de estímulo econômico precisamos ao mesmo tempo?” E, talvez, a pergunta mais difícil: “Qual e quando será o melhor equilíbrio?”
Agir cedo e de forma agressiva já se mostrou o melhor caminho
De acordo com um estudo dos economistas Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, cidades norte-americanas que adotaram intervenções ruins a curto prazo para os negócios durante a gripe espanhola – ou seja, pediram para que cidadãos ficassem em casa –, tiveram menor queda na atividade econômica e recuperaram-se com muito mais rapidez do que as que deixaram todos circularem tranquilamente. O estudo é o seguinte: Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu.
Mais especificamente, a reação 10 dias antes da chegada da epidemia em uma cidade aumenta o emprego na indústria em aproximadamente 5 por cento no período posterior. E a manutenção de medidas por +50 dias aumenta o emprego em 6,5 por cento após a pandemia. Ou seja, menos mortes e mais recuperação econômica.
Levantamento mostra que isolamento começou a achatar a curva do coronavírus em SP
Um levantamento indica que o distanciamento social diminuiu a taxa de crescimento dos casos de coronavírus no estado de São Paulo.
A interpretação é de que entre os dias 18 e 19 de março, cerca de uma semana após as primeiras ações para conter o vírus, como cancelamento de aulas em escolas e universidades, a taxa de crescimento do número de novos casos por dia confirmados no resto do país passaria a ser maior do que no estado paulista.
O isolamento está fazendo efeito no Brasil?
Itália, Estados Unidos e Brasil não são exatamente comparáveis, seja pelo clima, pelo percentual de população idosa ou pela quantidade de testes sendo realizada – que, aqui, é muito baixa.
A pesquisadora Jennifer Dowd e seus colegas analisaram a demografia e a disseminação da doença em diferentes partes do mundo. Na Itália, que tem uma população mais velha e famílias com pessoas de várias gerações vivendo próximas, o vírus está matando mais.
Isto ocorre porque a taxa de mortalidade do vírus em pessoas acima de 80 anos é estimada em 14,8 por cento, em comparação com 0,4 por cento para pessoas entre 40 e 49 anos, de acordo com o estudo de casos e mortes até o dia 13 de março.
A Itália é o segundo país com a população mais velha do mundo (atrás apenas do Japão). A média de idade dos diagnosticados com o novo coronavírus é de 66 anos – e 58% têm mais de 60 anos.
No entanto, o infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Alberto Chebabo acredita que esse não seja o principal fator, mas sim a falta de estrutura hospitalar para cuidar dos doentes. Para ele, algumas das pessoas em grupos de risco poderiam se curar se existissem leitos e equipamentos adequados para todos.
No gráfico abaixo, considerando todas as ressalvas feitas anteriormente, a curva de casos totais no Brasil já está bem abaixo da curva dos Estados Unidos. Ademais, pelo que parece, ela não deve repetir o mesmo movimento visto na curva de casos da Itália.
Cada mês de confinamento custa 2 pontos percentuais do PIB
O interessante estudo citado anteriormente (Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu) seria quase inquestionável se os dados fossem recentes, se o país fosse o Brasil e se o grau de industrialização das atividades econômicas fosse tão intenso quanto atualmente.
Entretanto, as projeções atuais mostram que a paralisação das atividades pode ter impactos significativos na economia. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou, na última sexta-feira (27), que 2 pontos percentuais de crescimento anual são perdidos por cada mês que as principais economias passam em confinamento.
Ademais, ainda segundo a Organização: “Calculamos que, para cada mês de quarentena, haverá uma perda de 2 pontos percentuais no crescimento anual do PIB. Somente o setor do turismo enfrenta uma diminuição da produção entre 50 a 70 por cento nesse período. Muitas economias cairão em recessão.”
Qual é o impacto do coronavírus nas empresas do Brasil?
O impacto da paralisação nas empresas está ficando cada vez mais grave, foi o que demonstrou a pesquisa da XP. A nova sondagem ocorreu entre os dias 24 e 26 de março, com 392 empresas.
As empresas também foram perguntadas sobre quanto tempo suportariam a interrupção das atividades antes de terem problemas de caixa. 40 por cento responderam que conseguem aguentar a paralisação por um período de 15 a 30 dias. Já 21 por cento calculam que resistiriam até 60 dias.
Por fim, e corroborando com os dados acima, de acordo com uma pesquisa do Datafolha, apenas 11 por cento das micro e pequenas indústrias paulistas têm capital de giro suficiente para manterem suas atividades por mais de um mês durante a crise do coronavírus.
O desemprego vai aumentar no Brasil, resta apenas saber quanto
O Departament of Labor, equivalente à Secretaria do Trabalho dos Estados Unidos, divulgou, na última quinta-feira (26), os pedidos iniciais de seguro-desemprego para a semana encerrada em 21 de março.
O número veio muito pior do que as expectativas. No período de sete dias, 3,283 milhões de americanos solicitaram o benefício do seguro-desemprego, uma alta de 3,001 milhões em relação aos 282 mil pedidos da semana anterior. Foi o nível mais alto da série histórica.
O resultado do auxílio desemprego americano distorceu completamente a escala do gráfico desde 1968. O pico passado tinha sido em dois de outubro de 1982 (695 mil pedidos).
Apesar dos dados assustadores nos Estados Unidos, o mercado de trabalho do Brasil deve sofrer menos porque as leis trabalhistas aqui são bem mais rígidas do que as do país norte-americano. Assim, demitir um funcionário custa caro no Brasil. Nos EUA, empresas demitem um funcionário pensando em contratá-lo novamente em um período de dois a quatro meses. Aqui, não existe esta flexibilização.
No Brasil, a taxa de desemprego vinha caindo lentamente nos últimos meses. Ela chegou a 11,2 por cento no trimestre encerrado em janeiro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, a chegada do coronavírus mudou totalmente as próximas projeções.
Os primeiros e mais afetados pela falta de emprego devem ser os trabalhadores informais — aqueles sem carteira assinada — e os empreendedores sem registro. Ainda com dados da Pnad Contínua, esses profissionais representam 40,7 por cento da força de trabalho ocupada no País.
As incertezas sobre o desenvolvimento do contágio são tão elevadas que as estimativas para o pico do total de desempregados no país variam de 13 milhões a 40 milhões de pessoas, com projeções para uma taxa de desemprego que pode ir de 11,5 a 25,5 por cento da força de trabalho. Tudo vai depender da intensidade da queda na economia.
Entretanto, não cremos em um cenário tão dramático assim. Nosso cenário se assemelha mais ao projetado pela 4E Consultoria. Segundo seu sócio Juan Jensen, a taxa de desemprego atingirá seu ápice em junho, quando subirá para 13,5 por cento, e terminará o ano em 12,9 por cento. Ou seja, segundo suas expectativas, o Brasil terá 14,5 milhões de desempregados em junho e 13,8 milhões em dezembro.
Desemprego também mata
Um estudo financiado pela Universidade de Zurique revela que o desemprego é a causa de 1 em cada 5 suicídios no mundo. Os dados são da Organização Mundial da Saúde. A Organização os providenciou ao analisar a mortalidade em 63 países pelo mundo entre os anos de 2000 e 2011. Os pesquisadores descobriram que aproximadamente 45 mil suicídios estavam relacionados ao desemprego.
Ao realizar o estudo, os pesquisadores também descobriram que houve um pequeno aumento no número de suicídios durante a crise econômica de 2008.
No momento atual, caso o desemprego aumente no Brasil, devemos também nos atentar à saúde mental da nossa força de trabalho para mitigar as possíveis consequências.
O falso dilema entre “salvar vidas” x “salvar a economia”
O novo coronavírus (Covid-19) tem altíssima taxa de contágio, podendo atingir um número gigantesco de pessoas no mundo todo em um curto espaço de tempo. Diante deste fato – e diante da ausência de vacinas específicas para o vírus -, a única forma eficaz de retardar o avanço da doença e, assim, evitar o colapso do sistema de saúde é o isolamento social.
Do ponto de vista da saúde da população, a quarentena é o processo mais indicado para todos aqueles que possam adotá-la. Além disso, é urgentemente necessário elevar substancialmente os recursos do orçamento público para aumentar o número de leitos, garantir testes e respiradores para o maior número de pessoas possível e elevar o número de servidores da saúde pública.
A política de isolamento social é fundamental, mas gera impactos profundos na atividade econômica. Os informais se veem sem serviço ou sem condições para irem trabalhar. Os formalizados estão vendo de perto o fantasma do desemprego, com a possível falência de inúmeras empresas. Empresas perdem receita e a capacidade de arcar com seus compromissos, entre outras consequências.
Defendemos que existe um falso dilema entre salvar vidas e a economia, pois, ao nosso ver, não são coisas excludentes. Na realidade, a leitura correta é a seguinte: “salvar vidas para poder salvar a economia”. Todas as evidências e estudos até o momento mostram que, sem um esforço coordenado, claro e bem direcionado para conter a propagação do vírus, a pandemia se prolongará e os efeitos sociais e econômicos serão ainda mais profundos. Para que possamos pensar em salvar a economia, precisamos primeiro salvar vidas e conter a propagação do vírus.
É preciso que continuemos a adotar rígidas mudanças em nossos padrões de comportamento. Níveis de higiene pessoal e etiqueta respiratória mais altos deverão ser adotados. Além disso, aglomerações e eventos deverão ser cancelados e, se possível, o trabalho de casa (home office) deverá ser priorizado. Assim, contribui-se para o necessário isolamento social.
Junto a esses esforços, assim que a curva de novos casos começar a se achatar, será preciso, por parte do governo, avaliar o momento correto e as possibilidades de implementação da flexibilização gradual das restrições impostas ao funcionamento das empresas. Os dados sugerem que grande parte das empresas passarão por sérios problemas de caixa a partir de abril, o que reforça a urgência da situação.
Cenas dos próximos capítulos
O principal indicador a ser acompanhado nas próximas semanas é o formato da curva de novos casos da Covid-19 no Brasil.
Se a quarentena conseguir “achatar” a curva, depois de um forte crescimento devido ao uso intensivo de testes, o isolamento poderá ser afrouxado aos poucos, separando as pessoas do grupo de risco e infectadas pela Covid-19 das pessoas saudáveis, as quais poderão voltar ao trabalho.
Neste cenário, a economia poderá voltar gradualmente a partir da semana de 13 de abril, com recuperação das atividades de empresas e do consumo das famílias.
Muito importante será manter o funcionamento do sistema de saúde, sem o colapso dos hospitais e postos de atendimento. Com o tempo, a disseminação do coronavírus poderá ser controlada. A vida, então, poderá voltar ao normal a partir do segundo semestre de 2020.
Até breve,
Equipe Anticaos