Olá, investidores.
No Gabinete Anticaos de hoje, o foco será na política brasileira. Durante esta semana, houve uma série de acontecimentos relevantes envolvendo o coronavírus, o presidente Bolsonaro e outros atores políticos. Nesse contexto, é importante analisar as decisões tomadas pelo governo federal e suas repercussões para o mercado – principalmente na variável de incertezas.
Após ensaiar uma trégua com governadores, Bolsonaro pronunciou-se de maneira oficial na última terça-feira (24) à noite, recomendando a “volta à normalidade” e criticando uma suposta “histeria” sobre o vírus. Segundo o presidente, não teria sentido manter escolas fechadas, indo de encontro à decisão de praticamente todos os governadores dos estados brasileiros. Na sua visão, eles estariam tratando a pandemia como se o País fosse “terra arrasada”.
No pronunciamento oficial, é possível identificar preocupações com um eventual colapso da economia e um aumento brusco de desempregados no País. Diante disso, a estratégia de Bolsonaro é evitar ao máximo a paralisação das atividades econômicas – que certamente minariam sua popularidade.
O presidente peca, porém, em dois importantes aspectos: o primeiro é o da comunicação, (mais uma vez) displicente neste governo; o segundo é o do falso dilema entre saúde pública e economia, no qual seria necessário escolher uma opção em detrimento da outra. Explicaremos melhor ambos os pontos abaixo.
Para efeitos de dimensionamento do atual cenário da Covid-19 no Brasil e no mundo, vamos retomar alguns números aqui (os dados são da Universidade Johns Hopkins). Até o fechamento deste episódio, existem 542.788 casos confirmados do coronavírus ao redor do globo, dos quais pouco mais de 24 mil resultaram em mortes. A China não lidera mais o número de casos (81.661), tendo sido ultrapassada pelos EUA (85.996) nesta quinta (27). Não descartamos a possibilidade de outros países também registrarem mais casos do que o país marco zero da doença.
No gráfico abaixo, é possível ver a evolução de casos nos países que já registraram mais de 100 casos – a partir do primeiro dia após superar este número. O destaque para o Brasil é nosso.
Como é possível observar, por enquanto, o Brasil (2.985 infectados) encontra-se na mesma posição da Espanha e dos Estados Unidos, cujas contagens de casos demonstram que eles dobram de 2 a 3 dias. A Itália saiu recentemente deste padrão, e tudo indica que a diminuição da velocidade de aumento nos casos de Covid-19 no país se deu em função da rígida quarentena implementada.
Tendo essa realidade como pano de fundo, novas teses surgiram – principalmente nos últimos dias – colocando em cheque a necessidade da chamada quarentena horizontal (basicamente, o isolamento indiscriminado da população). Os principais contrapontos vieram de um artigo de Thomas Friedman, influente colunista do The New York Times. O escritor, por sua vez, fez menção a dois artigos: um publicado pelo Dr. John Ioannidis, epidemiologista e diretor do Centro de Inovação de Meta-Pesquisa de Stanford, e outro de autoria do Dr. David Katz, diretor do Centro de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale.
Sob essa linha de raciocínio, a quarentena horizontal poderia, indiretamente, acarretar mais mortes do que o próprio coronavírus. Por isso, o combate à Covid-19 deveria ocorrer a partir de “interdições verticais” (ou quarentena vertical, que se aplicaria apenas aos grupos de risco). Afinal, de nada adiantariam os esforços para salvar o máximo de vidas e não sobrecarregar os hospitais se, em um segundo momento, a economia entrasse em colapso.
Na esteira desta tese, adicionadas algumas pitadas de ideologia no diagnóstico, Bolsonaro viu a oportunidade de reforçar sua posição em relação ao coronavírus. Disse, então, que a doença é apenas uma “gripezinha”. Como todos sabem, inclusive o Planalto, a economia é base para a avaliação de um governo.
Ao reforçar sua convicção sobre a fraqueza do coronavírus e o suposto exagero da cobertura midiática acerca do tema, porém, o presidente pouco vai ao encontro das ideias que englobam a quarentena vertical. Pelo contrário, sua comunicação transmite menosprezo pela situação e acaba desagradando a opinião pública.
Além disso, as diferentes narrativas dentro do governo geram ainda mais incerteza sobre os próximos passos para combater a Covid-19. As declarações do presidente, por exemplo, contradizem todos os comunicados e diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, comandado pelo médico e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Afinal, então, qual é a postura do Brasil no combate à doença?
Ao mesmo tempo, parece haver um falso embate entre saúde pública e economia, não sendo necessário escolher priorizar uma das áreas em detrimento da outra. O que o Planalto parece – ou finge – não compreender é que não há binariedade entre as duas áreas.
Ainda que a solução para a pandemia não passe por uma quarentena horizontal de tempo indeterminado, o extremo oposto – quarentena somente de grupos de risco -, porém, de forma impensada e despreparada, também está longe de ser terminativo. No modelo simplificado abaixo, ilustra-se como é possível conciliar políticas nos dois sentidos: do ponto de vista médico, achatar a curva de casos; do ponto de vista econômico, suavizar a queda do PIB por meio de auxílios econômicos.
Se o Brasil quiser transicionar do isolamento total ao isolamento seletivo, tal processo deve compreender um amplo planejamento, respaldado por uma política fiscal excepcionalmente expansionista – dada a extraordinariedade da situação – e por uma política de saúde pública mais incisiva, focada no aumento de testes de contaminação e na gestão inteligente de leitos hospitalares, equipamentos e medicamentos.
Até o momento, o País não dá sinais de que está preparado para dar tal passo. Não vimos, ainda, um pacote de auxílio econômico nos moldes dos EUA ou da Europa, tampouco temos testes suficientes sendo feitos. O próprio Ministério da Saúde admitiu que, para enfrentar o pico da epidemia, o Brasil precisará ter até sete vezes mais testes diários de coronavírus do que tem atualmente .
Dessa forma, caso as considerações acima não sejam observadas, a postura do presidente pode levar a um quadro ainda pior do que o atual. Esta possibilidade provoca reações da sociedade civil e de grande parte dos atores políticos brasileiros. No Congresso Nacional, o comportamento de Bolsonaro é constantemente rechaçado por qualquer deputado ou senador que não seja do núcleo bolsonarista.
Com relação aos governos estaduais, o presidente também não vem obtendo apoio e dobra a aposta ao criticar as medidas que estão sendo tomadas por governadores. Os chefes de cada estado agora conversam entre si e optam por desprezar a União no diálogo, dados as recentes acusações. Alguns quadros também já anunciaram que não seguirão medidas do governo federal caso elas contrariem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Politicamente, Bolsonaro opta pelo enfrentamento e acaba se isolando da maioria dos atores políticos. Exemplos da ciência política classificam tal estratégia como arriscada. Por isso, as recentes decisões do presidente contribuem para o aumento duplo de incertezas no mercado: a primeira, quanto à estratégia do governo para lidar com a situação atual; e a segunda, quanto à capacidade do presidente de estar à altura do cargo.
Até breve,
Equipe Gabinete Anticaos