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Armadilhas de valor | Domingo de Valor

Na coluna de hoje irei falar sobre as ações de empresas que parecem descontadas em termos de múltiplos de mercado, mas que às vezes permanecem muito tempo nesta condição, o que poderia ser definido como uma “armadilha de valor”.

Como escapar destas armadilhas de valor? Como saber se uma ação está mesmo uma pechincha? Que eventos poderiam destravar valor para aquela empresa?

Trago exemplos de empresas com múltiplos descontados, mas que acabaram não gerando o valor esperado pelo mercado. O que aconteceu? Como isso poderia ter sido evitado?

Tudo na vida tem um motivo

Eu gosto de citar o famoso gestor Howard Marks da Oaktree International e autor do excelente livro “A coisa mais importante” (The Most Important Thing):

“Se algum ativo está com múltiplos descontados, muito provavelmente há uma boa razão para isso”.

Garimpo na escolha das ações

A escolha de uma empresa para fazer parte de uma carteira de ações deve sempre começar pela estratégia top down, ou seja, partindo do macro para o micro: se a empresa se encontra em um bom setor e se ela deverá aproveitar uma tendência favorável da economia no médio e no longo prazo.

Uma vez escolhido o setor, é preciso fazer um stock guide para comparar as diferentes empresas, avaliar as variadas estratégias de negócio e de crescimento e a competência dos controladores.

Preço importa

A decisão final para a escolha de uma ação de determinado setor depende bastante da margem de segurança, da diferença entre o valor intrínseco da empresa e o preço da ação na bolsa de valores.

No final do dia, uma recomendação de compra para determinada ação depende bastante do perfil do investidor e da relação entre risco e retorno.

Muitas vezes vejo ações com múltiplos mais elevados, que oferecem um potencial de valorização menor, mas risco de execução menor. Por outro lado, ações de empresas que estão enfrentando problemas ou em turnaround, têm múltiplos mais baixos e maior potencial de valorização, porém seu risco é muito maior.

Exemplo do setor de shopping centers

Quando eu trabalhava em banco de investimentos, eu era o analista sênior responsável pela cobertura das empresas de shopping center no período de 2007 a 2015.

Das cinco empresas de capital aberto do setor de shopping center na B3 à época (Aliansce, BR Malls, Iguatemi, Multiplan e Sonae Sierra Brasil), a Sonae Sierra Brasil sempre teve os múltiplos mais baixos.

Eu nunca gostei muito da Sonae Sierra Brasil em termos relativos no setor por alguns motivos: 1) administração não tão competente quanto as das outras grandes; ii) acionista controlador pouco competente; iii) nível de transparência menor nas informações divulgadas; iv) portfólio mais concentrado de shopping centers (Shopping D. Pedro em Campinas era gigante) e; v) resultado operacional (margem NOI) inferior às demais empresas.

Sempre recomendei manutenção para as ações da Sonae Sierra Brasil, pois pensava que a relação risco e retorno não era atraente.

O único evento catalisador positivo seria uma possível fusão com alguma concorrente. As candidatas naturais sempre foram Aliansce e BR Malls devido ao perfil de público de shoppings, mais voltado a clientes de renda média.

Posteriormente, com o anúncio da fusão da Sonae com a Aliansce, resultando na Aliansce Sonae, quem investiu nas ações da Sonae Sierra Brasil não obteve o retorno esperado.

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Se algo é bom demais para ser verdade, provavelmente não é

Cito aqui novamente a frase do tenente Aldo Raine do clássico filme Bastardos Inglórios do gênio diretor Quentin Tarantino (olha uma recomendação de filme aí):

“Uma história longa curta: se você ouve uma história boa demais para ser verdade: não é”.

Nesse exemplo da Sonae Sierra Brasil a empresa tinha o valuation mais baixo do setor, em termos de múltiplo preço/lucro (FFO), com grande desconto para as outras empresas do setor como, por exemplo, Multiplan.

No entanto, pelos motivos explicados acima, as ações da Sonae Sierra Brasil (SSBR3) nunca fecharam esse desconto para as concorrentes e quem investiu na empresa não obteve o rendimento esperado, caindo numa armadilha de valor.

Catalisador das ações

Na minha carreira de mais de 20 anos como analista de ações, com certificado nacional do profissional do investimento (CNPI) desde 2008, eu tive alguns analistas na minha equipe de análise.

Sempre disse para os analistas que uma recomendação de compra de ações de uma empresa precisa de um catalisador para destravar valor.

Nas minhas recomendações de ações para as carteiras da Levante sempre tenho em vista os catalisadores para as empresas que podem ser: i) setoriais como exemplo a gripe suína africana, que aumentou a demanda por proteína animal das empresas brasileiras ou; ii) específica das empresas, tais como estratégia de crescimento através de aquisições ou uma venda de ativos com redução do endividamento.

Caso do Pão de Açúcar

Depois da cisão parcial das empresas do Grupo Pão de Açúcar: Assaí Atacadista (ASAI3) e Pão de Açúcar (PCAR3), as ações do Pão de Açúcar chamaram a atenção pelo seu valuation descontado, com múltiplo preço/lucro 2021 por volta de 6x.

Eu falei sobre o assunto na coluna Domingo de Valor do dia 7 de março de 2021.

Desde então as ações do Pão de Açúcar (PCAR3) acumularam alta de 30 por cento, comparado à queda de 1,3 por cento no Ibovespa no período até 25 de março.

O que aconteceu? Qual o motivo para as ações estarem tão descontadas? O que impulsionou a recente alta forte das ações?

Tudo tem um motivo

O valuation descontado de Pão de Açúcar pode ser explicado pelos seguintes fatores: i) pressão vendedora nas ações após o spin-off, pois os fundos venderam PCAR3 e preferiram ficar com Assaí Atacadista que tem mais crescimento; ii) ação (PCAR3) virou um Small Cap com valor de mercado perto de 8 bilhões de reais, menos acompanhada pelos fundos de investimento; iii) uma percepção de práticas não tão amigáveis com o mercado em termos de Governança Corporativa pelo controlador (a unificação das ações ON e PN do Pão de Açúcar ocorreu apenas em 2020) ; iv) perspectivas menores de crescimento no varejo alimentar tradicional, com margem líquida de apenas 2 por cento.

Alta das ações do Pão de Açúcar

A alta recente das ações do Pão de Açúcar pode estar relacionada com um forte catalisador: o controlador do Pão de Açúcar, o grupo francês Casino, estaria analisando a venda de sua participação na Cnova, empresa de comércio eletrônico do grupo francês com a ação na Euronext.

A possível venda de ativos do Grupo Pão de Açúcar (GPA) poderia envolver o Cdiscount, um site do Casino controlado pela Cnova no qual o GPA tem uma fatia indireta de 33,98 por cento.

Conclusão

Eu encerro a minha coluna recomendando muito cuidado aos investidores ao analisar empresas que são vistas como pechinchas na B3: IRB Brasil, Gafisa, Cogna, CVC (a Oi evoluiu e saiu dessa lista).

Na maioria das vezes, as ações estão sendo negociadas com desconto com motivo. Algumas vezes o barato pode sair caro, o risco é muito alto e o investidor pode cair em armadilhas de valor.

Existem algumas maneiras de escapar das armadilhas de valor: i) experiência no mercado; ii) estudo e análises profundas sobre os setores e as empresas; e iii) sempre pensar no catalisador que vai tirar a empresa daquela situação de pechincha.

Abraços,

Eduardo Guimarães,

Quer aprofundar mais seus conhecimentos sobre a Bolsa de Valores? Então leia minha última coluna: Cavalo de pau do Banco Central na taxa de juros (Selic) | Domingo de Valor.

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