A questão fiscal tem sido uma fonte de preocupação crescente, apesar da forte reação da arrecadação do governo, diante de uma retomada da atividade acima do que era esperado. Esse aumento da Receita poderia – e ainda pode – representar uma folga orçamentária no próximo ano. O problema é o que será feito com essa folga e, também, com a que será garantida pela correção do teto de gastos de mais de 8%. E essas preocupações, curiosamente, vêm, em boa parte, de iniciativas do Executivo, com aval do Ministério da Economia. Paulo Guedes tem sido responsável por posicionamentos que trazem insegurança quanto ao efetivo compromisso com ajuste das contas.
Um dos temas de maior polêmica tem sido a defesa do parcelamento dos precatórios, que são dívidas a serem pagas pelo governo, para pessoas físicas e empresas, com base em sentenças judiciais, que costumam vir depois de anos de discussões. Guedes falou em um meteoro que atingiu as projeções orçamentárias para o próximo ano, com despesas de mais de R$ 90 bilhões, sendo que o governo teria de estar acompanhando todo esse processo, sabendo das sentenças com muita antecedência. Mas, independentemente dessa eventual “surpresa”, o parcelamento dá a ideia de calote, de não cumprimento de sentenças judiciais, não só por incapacidade de pagamento, como se tem alegado, mas também para garantir maior espaço para outras despesas. Afinal, paralelamente, se cogita a possibilidade de uma ampliação do Bolsa Família, para além da capacidade fiscal prevista para 2022. Mesmo com declarações, como as do próprio presidente da Câmara, Artur Lira, no sentido de se respeitar o teto de gastos, aparando exageros, como em relação ao Bolsa Família, ou contra o parcelamento dos precatórios, se sabe que esses temas estão na pauta do executivo, com propostas a serem aprovadas pelo Congresso.
No geral, o que se constata é uma preocupação com o avanço de medidas populistas, que contrariam até mesmo a pauta liberal de Guedes, além de aumentar o risco fiscal. Nem a proposta de Reforma Tributária, apresentada pelo Ministério da Economia e, agora, reformulada pelo deputado Celso Sabino, em uma tentativa de minimizar as resistências generalizadas que provocou, escapa dessa preocupação. Pode gerar uma complexidade muito maior para o sistema tributário, com aumento da carga para as empresas, fora a taxação de lucros e de dividendos, que tem implicações sobre o retorno dos investidores. Só que pode reforçar a arrecadação do governo federal. Estados e municípios tendem a sofrer perdas, como vêm alertando, diante do corte das alíquotas do IRPJ, que reduziria o bolo tributário a ser repartido.
A pressa na tramitação das várias pautas está relacionada à aplicação das mudanças já no próximo ano.
O processo de elevação dos juros, pelo Copom, agora intensificado, tem como objetivo reduzir o espaço para remarcações de preços, via encarecimento do crédito, além de passar maior confiança na capacidade de controle da inflação. Por outro lado, ao aumentar a rentabilidade das aplicações, tende a ter impacto no dólar, que tem peso relevante na formação de vários preços. O impacto até é perceptível em vários momentos. Mas acaba sendo limitado pelas incertezas políticas e econômicas, com destaque para a questão fiscal. Brasília não tem colaborado muito para minimizar a volatilidade do mercado, que ainda sofre influência do cenário externo.
Por mais que se tenha boas perspectivas quanto ao controle da pandemia, a retomada da atividade, o crescimento neste segundo semestre e, até, o avanço de pautas importantes, fora a safra positiva de balanços, não se pode contar com maior estabilidade e consolidação de uma tendência mais favorável com tantos ruídos interferindo na prospecção de cenários.
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