Tenho alguns poucos hobbies na vida. Um deles é o de cozinhar. O universo de sabores e aromas, além de outras mensagens sensoriais, que um prato de comida pode transmitir é fascinante e lotado de possibilidades. Tão interessante quanto o resultado é o processo de cozinhar: escolher os ingredientes, realizar o mise en place e pôr em prática as técnicas de preparo, sejam elas novas ou mais tradicionais e já consagradas na história gastronômica.
Meu primeiro contato com a cozinha veio por meio do meu pai – esse, sim, cozinheiro de mão cheia – e em um processo de banho-maria para cozinhar lentamente claras de ovos, que serviriam de base para um delicioso tiramisu. A beleza da cocção por calor indireto, característica do banho-maria, é justamente produto da manutenção do sabor e nutrientes dos ingredientes utilizados. O processo é lento, mas dá resultados únicos.
Pois bem, não que o clima em Brasília esteja monótono; pelo contrário, temos no calendário próximo importantes acontecimentos, como a votação da Medida Provisória da Eletrobras, a própria Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 e, até mesmo, a movimentação de deputados para passar, na surdina, uma nova minirreforma eleitoral. Mas o atual cenário é de banho-maria.
Nos próximos meses, alguns eventos irão se desdobrar e, de fato, movimentar o tabuleiro político para o resto do atual mandato e, principalmente, para as eleições de 2022. Temos visto movimentações relevantes em partidos e o surgimento de pré-candidaturas, assim como um dos piores momentos para o governo Bolsonaro, em termos de pesquisas de avaliação.
As mudanças mais iminentes vêm de dentro do próprio governo: nos corredores do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, crescem cada vez mais os rumores de que o presidente Bolsonaro terá de realizar novas mudanças ministeriais em breve.
A dor de cabeça de Bolsonaro diz respeito à articulação política do Executivo no Congresso Nacional. Hoje, quem recebe as demandas do governo é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem excelente relação com o presidente. Foi Lira que promoveu o nome de Flávia Arruda (PL-DF) para a pasta da Secretaria de Governo – ministério que cuida da articulação política – mas a atuação da deputada tem deixado a desejar na visão de senadores, em especial da bancada evangélica. A bancada evangélica tem enorme peso na base de apoiadores do presidente – foi nesse segmento religioso que Bolsonaro teve mais votos em 2018.
Nesse sentido, cresce a demanda por mudanças na articulação para que senadores sejam mais contemplados dentro do jogo político – por meio de distribuição de cargos de segundo e terceiro escalão e execução de emendas parlamentares. O grande risco para Bolsonaro, porém, é de desagradar a sua base eleitoral mais ferrenha, que rejeita o atual modelo de negociação entre Executivo e Legislativo.
Aliás, a popularidade do presidente e sua avaliação de governo será crucial para modular a estratégia para 2022 e balizar suas chances de reeleição. Como sabemos, desde a redemocratização nenhum presidente do Brasil que tentou a reeleição não obteve sucesso. Sendo assim, importa muito mais o próprio desempenho de Bolsonaro do que qualquer adversário político no páreo do ano que vem. Na atual conjuntura, entretanto, a avaliação de governo voltou ao seu pior patamar desde o início do mandato, segundo a mais recente pesquisa da XP, em parceria com o Ipespe.
Como podemos observar no gráfico abaixo, a avaliação “Ruim/Péssimo” do atual governo continua em ascensão desde setembro de 2020 e chegou a 50%, igualando a máxima, de igual percentual, registrada em maio de 2020, quando a pandemia começou a se disseminar com mais força no Brasil.
Ao mesmo tempo, a avaliação positiva do governo encostou nas mínimas históricas, com 26% dos entrevistados avaliando o governo como “Ótimo/Bom”. A avaliação “Regular”, por sua vez, se manteve em estabilidade, indicando que existe uma mudança de lado de parte do eleitorado, que anteriormente enxergava um bom trabalho na administração federal e agora passa a reprová-lo.
É interessante observar, por outro lado, que um dos principais pilares que sustentam a tomada de decisão na hora de votar, a percepção sobre o futuro da economia tem melhorado desde quando a pesquisa de março de 2021, após piora contínua a partir de dezembro de 2020.
Nessa linha de raciocínio, se há um melhor entendimento da população com relação à economia e a avaliação geral de governo continua em trajetória de queda (ainda que a oscilação, em comparação com a última edição, foi dentro da margem de erro), deve haver também um detrator de popularidade que evite a melhora na avaliação do governo.
Nas entrelinhas da pesquisa, podemos encontrar esse elemento: tanto o aumento da percepção negativa do governo no combate ao coronavírus, que atingiu 58% em junho de 2021 em trajetória de alta desde meados de outubro, quando era de 47%, quanto a diminuição na avaliação positiva no enfrentamento à pandemia, passando de 30% em meados de outubro de 2020 para 22% em junho.
Tal fenômeno, somado à ampla cobertura da CPI da Covid-19, que tem perdido força política mas ainda recebe atenção dos principais veículos jornalísticos do país, pode explicar o que parece ser o pior momento da avaliação de Bolsonaro e sua equipe desde maio de 2020. Segundo a nova rodada da pesquisa, 76% dos entrevistados tomaram conhecimento da CPI e 62% aprovaram a instalação da comissão.
A nova rodada abordou mil entrevistados por meio de ligações telefônicas, com cobertura nacional e distribuição proporcional segundo gênero, região, ocupação, nível educacional, renda, porte do município, idade e religião. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais e o período de coleta foi entre os dias 7 e 10 de junho de 2021.
É dentro desse contexto que o governo liga o sinal amarelo para 2022 e coloca a sua estratégia em banho-maria, a fim de entender quais serão as prioridades e anseios do eleitorado votante no ano que vem. Com certeza, não serão os mesmos de 2018 e quanto mais presente a pandemia estiver na memória dos brasileiros, pior será para o governo – que aposta, atualmente, nos sinais positivos da economia para melhorar sua popularidade.
Em meio a esse processo, outras forças de Brasília vão negociando e organizando na tentativa de ascender ao poder – ou então, ficar do lado de quem eles acreditam que tem mais chances de ser eleito presidente do Brasil para os anos de 2023, 2024, 2025 e 2026. É por isso, também, que os custos de coalizão do atual governo aumentam, valendo sempre a máxima de que, na política, é sempre pior estar só do que mesmo mal acompanhado.
—