Parece que faz um século. Em outubro de 2019, quando ainda não se ouvia falar de pandemia, o governo enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) destinada a resolver, de vez, o imbróglio das contas públicas brasileiras. Apelidada de PEC Emergencial, a proposta fazia parte de uma iniciativa do Ministério da Economia chamada de “Agenda Mais Brasil”. Ela incluía as PECs do Pacto Federativo e dos Fundos e o objetivo era criar instrumentos para conter a evolução dos gastos públicos.
Dois meses depois, a Covid-19 começou na China. Passados mais dois meses, ela caiu como uma bomba sobre os mercados mundiais, Brasil incluso. A necessidade de adotar medidas de isolamento social provocou a discussão sobre auxílios emergenciais, e o assunto acabou evoluindo para a discussão de um possível programa de renda mínima. Porém, para isso, seria preciso liberar espaço no Orçamento, para não descumprir o Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A proposta que saiu do Ministério da Economia buscava conciliar as duas ideias, a do auxílio e a da responsabilidade fiscal, incluindo uma “cláusula de calamidade”. Ou seja, regras para situações atípicas, como a da pandemia. A sugestão foi estabelecer um “gatilho fiscal”, que vai disparar se as despesas com a máquina pública cheguem a 95 por cento dos gastos totais da União em períodos de 12 meses. Se isso ocorrer, o gatilho dispara, e o tiro fere de morte qualquer tentativa de elevar gastos públicos, como a tentativa de contratar servidores ou de elevar salários e gratificações. No caso de estados e municípios, as medidas são facultativas, por conta da autonomia federativa.
Tudo muito bom e alinhado com a austeridade fiscal. O problema é que essa proposta foi gradativamente desidratada em sua passagem pelo Congresso, com as diversas categorias de servidores públicos fazendo lobby para não perder seus privilégios. Durante a tramitação no Senado caíram propostas como o fim dos gastos mínimos obrigatórios na saúde e na educação e a proibição de progressões e promoções no serviço público. Já na caminhada pelas comissões da Câmara dos Deputados ficou para trás a proibição de reajustes dos servidores durante os momentos de crise.
Nas discussões da quarta-feira (10) houve momentos de tensão no mercado quando cresceu a probabilidade de uma desidratação ainda maior. Mesmo assim, o texto-base foi aprovado na madrugada desta quinta-feira em primeiro turno na Câmara. A proposição recebeu 341 votos favoráveis e 121 contrários. A votação do segundo turno está agendada para começar às 10 horas de hoje, e precisa receber ao menos 308 votos favoráveis para ser aprovada. Se não houver mudanças, segue para promulgação pelo Congresso, uma vez que já passou pelo Senado.
Pela negociação na Câmara, serão retirados do texto dispositivos que impediriam progressões e promoções de carreira de servidores e agentes públicos. Com a medida, mesmo em casos de emergência fiscal ou calamidade pública todos os servidores seguirão com o direito a avançar nas carreiras, aumentando assim seus salários. Entra governo, sai governo, e não há como conter os gastos públicos. É como se, na entrada do Congresso Nacional houvesse uma gigantesca placa de bronze que trouxesse uma advertência em letras garrafais: “É proibido poupar”.
Indicadores
Pressionada pela alta nos preços dos combustíveis, a inflação de fevereiro medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 0,86 por cento, acima dos 0,25 por cento de janeiro. Foi o maior resultado para um mês de fevereiro desde os 0,90 por cento de 2016. As informações são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IPCA acumula alta de 1,11 por cento no ano e de 5,20 por cento em 12 meses. Os resultados são superiores aos 4,56 por cento observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em fevereiro de 2020, o índice havia ficado em 0,25 por cento.
Com alta de 7,11 por cento, a gasolina foi, individualmente, o item que mais impactou o índice no mês. Além da gasolina, os preços do etanol (8,06 por cento), do óleo diesel (5,40 por cento) e do gás veicular (0,69 por cento) também subiram. Com isso, os combustíveis acumulam alta de 28,44 por cento nos últimos nove meses. Em fevereiro, o grupo transportes teve alta de 2,28 por cento.
E Eu Com Isso?
A sessão começa com os contratos futuros de Ibovespa e do índice americano S&P 500 em alta, animados pela aprovação do pacote americano de estímulos de 1,9 trilhão de dólares e também com a aprovação da PEC Emergencial, ainda que desidratada.