Em dezembro de 2020, supostamente, seria paga a última parcela do auxílio emergencial para mais de 67,8 milhões de brasileiros – já em valor reduzido, de R$ 300,00 mensais. O auxílio foi importante para criar uma rede de proteção social em um momento de forte depressão econômica, em meio a um País com alta informalidade no mercado de trabalho. Muitos trabalhadores perderam praticamente a totalidade de suas rendas por serem pequenos comerciantes ou prestadores de serviços.
Inicialmente, o auxílio era previsto para apenas três meses de 2020 – abril, maio e junho. O agravamento da pandemia, contudo, fez com que o governo prorrogasse esse período até agosto – mantendo os R$ 600 mensais – e, posteriormente, até dezembro, mediante redução de metade do valor devido ao altíssimo custo para os cofres públicos.
Nessa seara, foram mais de R$ 300 bilhões no Orçamento de 2020, com custo mensal aproximado de R$ 50 bilhões nos meses em que o auxílio foi integral e por volta de R$ 21 bilhões nos últimos três meses de pagamento do benefício. Segundo pesquisa do Datafolha, 44% dos brasileiros que receberam o auxílio em algum momento do ano passado tiveram nesse dinheiro sua única fonte de renda. Proporcionalmente, a região com mais beneficiários foi a Sudeste (com quase 40% do total), seguida da região Nordeste, com pouco mais de 30% do total da população abarcada pelos pagamentos.
A injeção direta de dinheiro na economia brasileira fez com que a inflação acelerasse durante o segundo semestre de 2020 e que a retração econômica no ano fosse bem menor que as primeiras estimativas muito por causa do consumo de famílias e de uma recuperação mais rápida que o esperado. Além disso, como mostrou o estudo de Daniel Duque (Ibre/FGV), o auxílio foi fundamental para preservar a renda de grande parte das famílias brasileiras em situação de pobreza, e, adicionalmente, permitiu que a pobreza e a extrema pobreza, no País, fossem reduzidas como efeito marginal dos pagamentos.
Todos elementos não podem ser ignorados quando se pretende efetuar uma análise mais ampla do que representou o auxílio no País. Por outro lado, entre países emergentes, o Brasil foi, de longe, o que implementou uma política fiscal expansionista mais agressiva, tendo gasto cerca de 16% do PIB para enfrentar a pandemia. Isso é demasiadamente alto quando comparado ao México (~1% do PIB), à Índia e à Indonésia (~5%) e, até mesmo, à África do Sul, cujos gastos representaram pouco menos de 9% do PIB. Ficamos entre os Estados Unidos (gastos de aproximadamente 17% do PIB) e a Alemanha, que gastaram cerca de 13% do PIB combatendo a depressão econômica. Não é preciso nem lembrar da delicada situação fiscal brasileira para compreender que esse percentual gasto está fora da realidade.
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Os mais pessimistas com a política implementada no decorrer de 2020 apontam que houve uma série de incongruências no processo de avaliação e na distribuição do auxílio – muito em função da urgência de se fazer o dinheiro chegar “na ponta”, mas também pela carência de instrumentos de monitoramento e de avaliação da política pública. Sabe-se, por exemplo, que 37,2 milhões de brasileiros que receberam o auxílio não estavam registrados no Cadastro Único do governo federal, plataforma que registra famílias de baixa renda para incluí-las em programas assistenciais.
Em texto publicado recentemente, o economista-chefe da XP Asset, Fernando Genta, questiona o fato de o número de beneficiários superar em oito vezes o número de trabalhadores informais que, segundo a PNAD Covid-19, haviam perdido o emprego durante a crise. Segundo o autor, 77% do dinheiro empenhado para o auxílio não teve finalidade emergencial alguma, à medida que não se destinou para famílias com perda de renda do emprego informal.
Argumenta-se, com razão, que a criação de uma demanda “artificialmente anabolizada”, decorrente dos pagamentos, forma um círculo vicioso de pressão por novas prorrogações do auxílio, visto que os indicadores sofrem um forte recuo quando os pagamentos são findados – algo que, de fato, parece estar ocorrendo neste início de ano. Genta conclui alertando para o risco de “ao misturar auxílio, combate à pobreza e estímulo à demanda, terminar novamente sem nenhum dos três, mas com uma elevadíssima conta para pagar.”
Não é falta de senso ou empatia querer que o auxílio a ser pago em 2021 seja menor, mais focalizado e, portanto, mais eficiente. Pelo contrário, os novos pagamentos são tão importantes quanto à manutenção do nosso sistema econômico como um todo. Um país que convive com recorrentes crises econômicas (e as normaliza) é um país fadado ao aumento das desigualdades, diminuição da renda e esfacelamento do bem-estar de sua população. O governo encontra-se entre a cruz e a espada, com um toque dramático adicional: politicamente, o auxílio se mostrou muito positivo para Bolsonaro.
Os indicativos mais recentes apontam para um auxílio de R$ 250, estendido por quatro meses. Fazendo uma conta em “papel de pão”, isso custaria às contas públicas cerca de R$ 30 bilhões. Do ponto de vista orçamentário, não é uma quantia exorbitante, mas que pode ser decisiva para influir no cumprimento do teto de gastos e da meta primária, estimada em déficit de R$ 247,1 bilhões e que, provavelmente, terá de ser revista. Há riscos de natureza política, também, na aprovação de um auxílio – riscos de mais gastos do governo envolvendo a pandemia, fazendo jus à conhecida expressão do mundo político: “passa boi, passa boiada”.
Fala-se em decretar, mais uma vez, estado de calamidade pública e enviar uma nova PEC de Guerra para o Congresso, repetindo a estratégia de 2020. Isso faria com que o Executivo não precisasse cumprir com a meta primária. Abandonar a meta de resultado primário – que é deficitária desde 2015 no Brasil – não seria a melhor opção nesse momento, ainda que o governo entenda a delicadeza da situação fiscal do País e tome providências adicionais para mitigar os efeitos negativos. A equipe econômica havia estudado adotar uma meta primária flexível para o ano de 2021, mas o Tribunal de Contas da União acabou vetando essa possibilidade. Logo, as alternativas parecem escassas.
Ainda faltam informações suficientes para se calcular as dimensões desse desfecho, mas, ao cabo, 2021 será mais um ano de deterioração das finanças públicas, sendo extremamente necessário que o Executivo já aprove – mostrando ao mercado que tem agido para mudar a trajetória explosiva dos gastos públicos – medidas de ajuste fiscal no curto prazo. Assim – e somente assim, com um duro ajuste nas contas públicas – o mercado vai relevar o peso fiscal de um novo auxílio em 2021.