A alta das ações (Ibovespa avançou 2,2 por cento, para 96 mil pontos) e a queda do dólar na segunda-feira (5) tiveram duas causas bem definidas. Além da alta de Donald Trump do hospital, que permitiu ao presidente americano retomar as atividades da campanha eleitoral, os investidores se animaram com as perspectivas de reconciliação entre Paulo Guedes, ministro da Economia, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Na noite de ontem, em um jantar na residência do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), Maia e Guedes disseram ter acertado os ponteiros.
Rememorando. Ambos andaram se estranhando nos últimos dias. O ministro afirmou publicamente que o presidente da Câmara estava interditando o debate sobre as privatizações. Dias depois, em uma entrevista a O Estado de S. Paulo, Maia chamou Guedes de “desequilibrado”. Embora folclórica, a troca de impropérios tem poucos efeitos concretos à primeira vista. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece que o Congresso tem poderes enormes para decidir sobre a alocação dos recursos públicos. Por isso, esses desentendimentos são péssimos para as expectativas dos investidores. Indicam um aumento do risco de descontrole dos gastos públicos e, como consequência, da inflação e do risco de mercado. Foi o que se viu. Até a sexta-feira (2) os indicadores financeiros mostravam a desconfiança dos agentes de mercado. As ações caíram e o dólar subiu, assim como os juros longos.
Ontem, ambos se esforçaram para mostrar que haviam superado as disputas. “Na semana passada, fui indelicado e grosseiro, e deixo aqui meu pedido de desculpas. Eu disse ao ministro Guedes e aos presentes no jantar que, na pandemia, temos que estar unidos dentro do teto de gastos para encontrar soluções”, disse Maia. “Os interesses do Brasil estão acima de quaisquer divergências que possamos ter”, disse Guedes, aceitando as desculpas.
Um governo que queira manter (ou romper legalmente) o teto de gastos precisa preservar as boas relações com o Congresso. (LEIA MAIS ABAIXO). Por isso, além das desculpas e das promessas de reconciliação, Maia e Guedes prometeram trabalhar juntos para aprovar o Renda Cidadã e, ao mesmo tempo, respeitar o teto de gastos. Guedes procurou não desafinar. Ele disse que um novo programa social do governo, que vai substituir o auxílio emergencial, tem de ser “robusto, mas dentro do teto” e afirmou que o Brasil precisa criar empregos reduzindo os custos de abertura de vagas, com a desoneração da folha.
Maia entrou no tom. “O Congresso estará pronto para dialogar sobre propostas que o governo ache relevante encaminhar”, disse ele. E o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fechou o coro. “Maia e Guedes tiveram a sensibilidade de compreender a importância do diálogo para fazer o que o Brasil precisa”, disse ele.
Gentilezas e rapapés à parte, o que os investidores querem ver são garantias de respeito à estabilidade fiscal e medidas de estímulo à economia que não destrocem as contas públicas. Fazer essa conta fechar é difícil. A reconciliação entre Guedes e Maia não garante isso, mas ajuda bastante.
INTERNACIONAL – O cenário internacional tem uma agenda carregada, com pronunciamentos dos presidentes do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, e de Christine Lagarde, que preside o Banco Central Europeu. Ambos deverão comentar o impacto dos pacotes de ajuda e reforçar as expectativas de que a política monetária permanecerá expansionista dos dois lados do Atlântico.
Declarações de políticos têm de ser tomadas por seu peso específico, que varia de acordo com as circunstâncias e as necessidades. Seria um excesso de otimismo acreditar que, após o jantar de ontem, Executivo e Legislativo acertaram os ponteiros e apararam todas as arestas. Mesmo assim, o fato de Maia e Guedes estarem tentando caminhar em direção ao entendimento deve distensionar as expectativas e permitir novos movimentos de alta no mercado.
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