Na coluna de hoje vou falar sobre investimentos em ações, particularmente sobre o interesse do investidor estrangeiro pelo Brasil, sobre fluxo de recursos para a bolsa de valores no mercado local e sobre o crescimento da quantidade de pessoas físicas na B3.
Brasil decolando
Quem não se lembra da capa da revista “The Economist” com a foto do Cristo Redentor decolando em 2009? O Brasil era a bola da vez e o país emergente preferido para receber investimentos e recursos dos gestores globais.
Brasil não é mais a bola da vez
O Brasil já teve uma representação mais significativa entre os países emergentes na distribuição da liquidez nos mercados globais de investimentos. Em 2008, as ações de empresas brasileiras representavam 17,58 por cento do índice de ações MSCI para mercados emergentes. Em junho de 2020, essa participação foi reduzida para 5,14 por cento, perto das mínimas históricas.
A China foi o grande destaque no período. Sua participação nos recursos investidos nos mercados emergentes aumentou de 14 por cento em 2008 para 41 por cento em junho de 2020.
Esse índice de ações MSCI é calculado em dólares levando em consideração o valor de mercado em dólar das companhias abertas dos países, de maneira a refletir a importância de cada mercado.
Desempenho das ações brasileiras
O Ibovespa encerrou o mês de agosto com queda de 3,44 por cento, depois de quatro meses de alta (abril a junho) com desempenho acumulado negativo de 14,1 por cento em 2020.
Entretanto, o desempenho das ações brasileiras medido em dólares é ainda mais negativo: o índice MSCI Brasil acumula queda de 34,35 por cento em 2020, comparado à queda de 27,5 por cento no MSCI do México e valorização de 16,1 por cento no MSCI China no mesmo período.
O desempenho mais negativo do MSCI Brasil é explicado pela valorização acumulada de 35,7 por cento no dólar até o fim de agosto e por preocupações crescentes com os riscos político e fiscal do Governo Federal.
Maior volatilidade do Ibovespa
O Brasil é destaque no ranking da volatilidade das ações no mercado local, com o terceiro maior “beta” medido em dólares entre os grandes países emergentes, com África do Sul em primeiro lugar e China em terceiro, mas a China em peso de mais de 40 por cento no MSCI dos emergentes.
A volatilidade anualizada do Ibovespa está em 52 por cento ao ano de janeiro a agosto de 2020.
Acredito que o aumento da volatilidade das ações brasileiras está diretamente relacionado ao andamento das tão esperadas reformas: previdência, administrativa e tributária, com controle das contas públicas.
Saída dos investidores estrangeiros
O saldo dos investidores estrangeiros na bolsa de valores brasileiras está negativo em 85 bilhões de reais no acumulado de 2020 até agosto, dos quais 64,4 bilhões de reais no primeiro trimestre e 24,2 bilhões em março, auge do pânico com a pandemia da Covid-19.
O saldo do mês de agosto estava positivo para o investidor estrangeiro em 1,45 bilhão de reais até 28 de agosto, mas o “caldo azedou” no fim do mês com as preocupações com as contas públicas do Brasil. No último dia de agosto as saídas de investidores estrangeiros somaram 1,85 bilhão de reais.
Curva de juros longa “empinou”
A curva longa de juros futuros apresentou forte alta no mês de agosto: DI Jan 2027 saiu de 6,1 por cento no fim de julho para 6,85 por cento no fim de agosto, aumento de 75 pontos base.
Acredito que essa “empinada” nas curvas longas futuras de juros está relacionada ao risco fiscal, com a perspectiva de aumento dos gastos do governo e de aumento do déficit das contas públicas.
A relação entre a dívida líquida do setor público e o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu o nível recorde de 60,2 por cento no fim de julho, o nível mais alto desde março de 2003.
Orçamento do Governo
O Governo Federal entregou, no dia 31 de agosto, o Projeto de Lei Orçamentária Anual para o Congresso Nacional, com previsão de déficit primário de 572,9 bilhões de reais de 2021 a 2023.
Acredito que um dos maiores riscos no mercado doméstico é o comportamento das contas públicas, agenda de reformas e a permanência da política liberal do ministro da economia Paulo Guedes.
Pessoas físicas dominando a bolsa de valores
A quantidade de investidores pessoas físicas (CPF) na Bolsa aumentou 175 mil em julho e atingiu um total de 2,824 milhões de investidores na B3. No acumulado de 2020 (Janeiro a Julho) mais de 1 milhão de pessoas começaram a investir em ações.
Apesar do crescimento da quantidade de investidores na B3, o percentual da população que investe em ações ainda é baixo: cerca de 1,5 por cento da população brasileira.
Espero que em pouco tempo, até o fim de 2021, a quantidade total de investidores na B3 seja de pelo menos 5 milhões de CPFs, ainda baixo em termos de percentual da população (2,5 por cento), mas em linha com países como Colômbia, Peru e Bolívia.
Captação de fundos de investimento em ações
A captação líquida de fundos de investimento em ações (FIA) atingiu 4,14 bilhões em agosto e acumula entrada de 60,8 bilhões de reais em 2020, de acordo com dados da Anbima, a associação que representa o setor.
O total investido em fundos de ações representava apenas 9,1 por cento do total no fim de julho (7,6 por cento em julho de 2019), equivalente a 512 bilhões de reais. Somente como comparação o saldo da poupança era de 973 bilhões de reais em julho de 2020.
Os fundos de ações já chegaram a representar 12 por cento do total de fundos de investimento em dezembro de 2009, auge do mercado de capitais no Brasil antes da crise imobiliária dos Estados Unidos.
Conclusão
Eu tenho a convicção que o aumento da alocação de recursos em renda variável (ações) está apenas na sua infância, principalmente para os investidores pessoas físicas.
Acredito que os fundos de ações podem registrar uma captação líquida de pelo menos 100 bilhões de reais em 2020, atingindo uma representatividade de 10 por cento do total da indústria de fundos no fim de 2020 e de 12 por cento no fim de 2021, voltando ao patamar de 2009.
Afinal a taxa de juros (Selic) está no menor nível da história: 2 por cento ao ano e o chegamos ao “fim da cultura do CDI”, o que quer dizer, que o investidor brasileiro vai precisar correr mais risco nos seus investimentos.
No cenário externo, a participação do Brasil nos mercados de ações de países emergentes está na mínima histórica (5 por cento) e acredito que, se o risco político e as contas públicas não fugirem ao controle, poderemos ter algum fluxo de investidores estrangeiros na bolsa brasileira ainda em 2020.
Na minha opinião esse movimento de aumento de participação de ações nos investimentos das pessoas físicas é inexorável, pode subir ou descer, dependendo dos eventos políticos, mas o Brasil vai ficar mais atrativo para os investidores globais.
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Abraços,
Eduardo Guimarães