Olá, investidores.
Tudo bem?
No Gabinete Anticaos de hoje, vamos analisar a atual conjuntura política, a base de apoio do governo no Congresso Nacional e a possibilidade de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, que vem sendo ventilada desde a saída do juiz Sérgio Moro de seu governo, na última sexta-feira (24).
A saída de Moro
Após aproximadamente um ano e quatro meses no cargo, Moro deixou o governo por desavenças com o presidente Bolsonaro, as quais envolvem, entre outras questões, interferência política em órgão sob a sua responsabilidade administrativa. O episódio instaurou, em meio à grave pandemia que assola o Brasil e o mundo, uma nova crise política no governo.
Moro assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública com alta popularidade, protagonismo nacional e promessa de autonomia total. Com status de superministro, Moro começou a desenvolver seus trabalhos, mas, logo no primeiro ano de gestão, já teve episódios de conflito com Bolsonaro, tais como: a saída do Coaf da pasta da Justiça, a troca do superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, a possibilidade de desmembramento do superministério em duas pastas distintas (Justiça e Segurança Pública) e a própria sinalização de que o diretor-geral da PF poderia ser trocado.
Na última sexta-feira, porém, Moro foi surpreendido com a exoneração oficial do diretor da PF, Maurício Valeixo, publicada no Diário Oficial da União – no dia anterior, houve boatos de que o juiz sairia do governo caso Valeixo fosse demitido, mas os ânimos pareciam acalmados após intervenção de locutores do governo.
Em seguida, ainda pela manhã, Moro convocou uma coletiva de imprensa para as 11h. Na ocasião, pediu demissão e não poupou duras críticas ao presidente Bolsonaro. O juiz entendeu que não havia mais espaço para ele no governo, uma vez que a troca do diretor-geral da PF foi eminentemente política e não teve nenhuma justificativa, em sua percepção, plausível. Ainda, citou a quebra da promessa de “carta branca” de Bolsonaro para seu trabalho à frente do Ministério. O presidente, por sua vez, negou as acusações apresentadas pelo juiz e apresentou a sua versão dos fatos. Agora, ambos tentam convencer a sociedade com suas respectivas provas.
É inegável que o lavajatismo deixa a base de apoio do governo e deve minar a popularidade do presidente. Na política, grupos organizados têm especial força dentro de um governo – vejam, por exemplo, os evangélicos, ruralistas, armamentistas, entre outros (no caso de Bolsonaro). O desembarque dos lavajatistas enfraquece o presidente e, combinado com outras variáveis (falaremos mais sobre isso adiante), pode provocar uma debandada maior caso os outros grupos entendam não fazer mais sentido apoiar um presidente politicamente já esgotado.
A conjuntura política
Para além do fato de que esta crise política eclode em um momento extremamente inoportuno, dada a pandemia da Covid-19, pode-se resumir a atual conjuntura política sob algumas ponderações. A primeira é sobre a popularidade do governo, que deteriorou por consequência da atuação do Planalto em relação ao coronavírus, mas continua relativamente equilibrada: 42 por cento da população avalia o governo como ruim/péssimo, 28 por cento como ótimo/bom e 27 por cento como regular.
No governo Temer (ver gráfico abaixo), a impopularidade do então presidente era praticamente duas vezes maior, mas o mandato do vice era tampão. Na época da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, sua avaliação negativa (ruim/péssimo) rondava a casa dos 65-70 por cento, enquanto a avaliação positiva (ótimo/bom) não se distanciava dos 10 por cento.
Ainda, na atual conjuntura, temos toda a classe política (Congresso Nacional, Executivo e governadores) voltada unicamente à discussão de pautas de combate ao coronavírus. O estado de calamidade pública, por exemplo, foi proposto pelo governo como alternativa excepcional para o aumento de gastos e aprovado nas duas Casas Legislativas com unanimidade. Na Câmara, a votação foi simbólica (dado o consenso sobre o tema, descarta-se a votação nominal). Já no Senado, o placar final foi de 75 votos favoráveis e nenhum contra.
Não obstante o apoio em temas mais consensuais, o governo vem sofrendo, desde o início do ano, com a falta de uma coalizão no Congresso. Em realidade, a base governista na Câmara é uma das menores da história da República Nova, com apoio formalizado apenas do PSL (ainda que não seja mais o partido do presidente, é a sigla de seus deputados) e, na prática, do DEM e Patriota. Somados, os 84 deputados desse grupo representam 16,5 por cento do total da Câmara. O presidente Collor, que durante seu mandato teve uma base bastante tímida, chegou a ter 160 deputados apoiadores (31,18% da Câmara).
De fato, a retórica do presidente fez com que não se formasse uma coalizão parlamentar ampla desde o seu primeiro dia. Em termos de agenda, o governo teve de negociar a aprovação de matéria por matéria, contando também com o alinhamento ideológico de um Congresso que vem se mostrando reformista. Como podemos ver na tabela abaixo, a aderência de partidos, tanto na Câmara quanto no Senado, está em patamares confortáveis (aderência média de 70,8 e 86,1 por cento, respectivamente). Foram consideradas 178 votações nominais na Câmara e 38 votações nominais no Senado desde o início do governo Bolsonaro.
A recente aproximação de Bolsonaro com o chamado Centrão político (grupo significativo de partidos da Câmara) deve lhe dar um fôlego em termos de coalizão, mas não parece sustentar uma base aliada até o fim de seu mandato. Os cargos negociados são de segundo escalão. Além disso, não há grandes montantes do orçamento, via emendas parlamentares, cedidos. A aproximação desse grupo de siglas pode ser um movimento do Planalto para promover candidatos de sua escolha para a eleição do novo presidente da Câmara, em fevereiro de 2021. Fora isso, o Planalto joga o jogo político com considerável isolamento.
Impeachment depende do desenrolar de um cenário mais negativo
Após a crise com Sérgio Moro, muito se falou no fim simbólico do governo, já que uma de suas grandes bandeiras foi duramente manchada. No entanto, as variáveis políticas não favorecem tal cenário. O que devemos esperar no curto prazo é um panorama de instabilidade política, baseado nos seguintes fatores: a) o andamento e a gravidade dos inquéritos sobre o governo no STF; b) a reação da população e seu impacto na popularidade do presidente; c) a manutenção de Guedes e da ala militar no governo, dois pilares importantes; e d) a reorganização do jogo político no Congresso.
Como aponta o Ph.D em ciência política pela Universidade de Sussex e pós-doutor pelo MIT, Marcus André Melo, as chances de deflagração de um processo de impedimento de um presidente são altas na presença conjunta de escândalos, manifestações de rua, crises econômicas e bases parlamentares minoritárias.
Para que as condições favoráveis a um impeachment (ou até uma renúncia, em função de uma paralisia de governo) sejam realmente efetivas, seria necessária a consolidação de uma crise econômica, a presença de manifestações contra o presidente (maiores e mais frequentes) e um escândalo comprovado. Além de, é claro, os ⅔ necessários para o impedimento nas duas Casas Legislativas.
Do ponto de vista dos votos, apesar de o presidente ter visto um quadro de peso deixar de apoiar seu governo – abrindo um perigoso precedente para um reagrupamento político contrário à sua permanência no cargo –, tudo indica que as forças políticas ainda não vislumbram essa possibilidade como uma saída.
Ainda, é impossível contar com manifestações no curto prazo, uma vez que o coronavírus ainda não foi superado. Da mesma forma, a percepção de crise econômica vai depender dos efeitos, ainda incertos, da Covid-19 sobre as atividades produtivas. Por fim, não há nenhum escândalo comprovado, até o momento, envolvendo o presidente, apesar de novas investigações terem sido iniciadas no Supremo Tribunal Federal.
Com relação aos impactos dessa conjuntura sobre o mercado financeiro doméstico, projetamos maior sensibilidade do Ibovespa frente ao desenrolar dos acontecimentos políticos. O clima de instabilidade traz novas preocupações quanto ao horizonte reformista do País e ao saneamento do quadro fiscal brasileiro.
Em nosso cenário-base, o mercado voltaria sua atenção ao cenário político no momento em que o número de novas mortes pelo coronavírus fosse diminuindo, uma indicação do “começo do fim” da crise sanitária. No entanto, o aprofundamento da crise política veio antes do que esperávamos, em um momento em que o mercado ainda vive muitas incertezas em relação aos impactos e à duração do vírus. Recomendamos cautela redobrada aos investidores, uma vez que os próximos capítulos da “novela” política devem gerar bastante volatilidade no mercado. Teremos dias de alta, como o de hoje. No entanto, até termos maior clareza sobre o que ocorrerá em Brasília, acreditamos ser difícil traçar uma tendência para a Bolsa.
Sustentamos nossa recomendação de que os investidores devam continuar a manter o percentual do seu patrimônio que já tenham em Bolsa na própria Bolsa. Trocas dentro do portfólio devem ser pontuais. Ao trocar uma ação por outra, recomendamos que o investidor busque empresas com receitas atreladas ao dólar e custos em reais – ou empresas de qualidade, como “blue chips”. Todo o processo de troca deve levar em conta uma avaliação detalhada tanto da empresa que sairá quanto daquela a ser colocada na carteira, sempre considerando os impactos que ambas estão sofrendo – e sofrerão – e como isso irá afetar a geração de caixa e, portanto, o valor justo delas, comparando a nova estimativa de valor justo ao preço de mercado.
Até breve,
Equipe Gabinete Anticaos