Política sem Aspas, por Felipe Berenguer

Da lama ao caos | Política sem Aspas

Repleto de percussões, riffs pesados e um pé no hip hop, o Manguebeat é um dos maiores movimentos musicais e de contracultura da história brasileira, tendo servido de palco para a ascensão da banda Nação Zumbi, assim como de voz para uma série de recifenses na década de 90, inseridos em uma capital pernambucana socialmente e economicamente abandonada – no seio do Nordeste, uma das regiões mais pobres do País.

A banda Nação Zumbi usou a música para desferir críticas ao descaso do governo federal para com cidades e estados de fora do eixo Rio-São Paulo e, liderada por Chico Science, lançou o aclamado “Da Lama ao Caos” em 1994. De lá para cá, evidentemente, o Brasil conseguiu evoluir em praticamente todos os indicadores sociais, econômicos e de bem-estar, mas vale sempre repetir uma das máximas presentes no refrão da música que também leva o nome do álbum: “Posso sair daqui para desorganizar / Da lama ao caos, do caos à lama”.

A crítica, dessa vez, vale para o terrível desfecho envolvendo a PEC dos Precatórios, o teto de gastos e o Auxílio Brasil – este, desejo do governo para amparar milhões de famílias brasileiras que atualmente lutam contra a fome e a pobreza, diante dos efeitos cruéis de uma pandemia inédita. Se o País conseguiu, nas últimas décadas, sair da completa lama, hoje vive põe em xeque um dos mecanismos que mais protege nossa economia do caos e, por consequência, da trágica volta à lama.

O atual governo resolveu realizar a correção do valor pago pelo Bolsa Família e incluir mais famílias no programa – medida correta e necessária para combater problemas estruturais do País – mas pecou ao atropelar o arcabouço fiscal vigente, que serve de âncora para as expectativas econômicas, e turbinar os gastos de modo atabalhoada, abrindo margem para outros programas voltados especificamente para grupos organizados.

É o caso do auxílio voltado para caminhoneiros pagarem o abastecimento de seus veículos, anunciado pelo próprio presidente em meio à turbulenta semana. É, também, o caso do provável reajuste do funcionalismo público federal em 2022, que deve ocorrer após dois anos sem correção dos salários de uma classe que é, majoritariamente, privilegiada. No conjunto da obra, conclui-se que o Planalto almeja mesmo é o aumento de sua popularidade, visando as eleições presidenciais do ano que vem.

De fato, a lógica de lançar mão de um auxílio de grandes proporções tem respaldo no auxílio emergencial e seu impacto na popularidade do Presidente, guardadas as devidas proporções financeiras e de conjuntura. Pode parecer difícil de compreender, mas pobre vota com o bolso e hoje existe um enorme contingente de brasileiros sofrendo com a corrosão de renda, desemprego e pobreza.

Alguns podem argumentar que o auxílio e a manobra fiscal poderia desorganizar, de vez, a economia brasileira. De fato, esse pode ser um desfecho, a depender de vários fatores, exógenos e endógenos, que irão influenciar esse final de ano e todo o ano que vem. No entanto, tentando raciocinar sob a mesma lógica do governo, a inflação já está em patamares altos e isso sugere que a base de comparação atuará como limitante do IPCA de 2022. No limite, o Banco Central do Brasil, passageiro do fiscal, vai ter que avançar ainda mais no aperto monetário. Afinal, é seu mandato. Talvez, o maior consenso é de que o crescimento econômico do Brasil, no próximo ano, será entre 0 e 1% – mas, convenhamos, essa é a história de nossa economia em praticamente todos os últimos dez anos.

Ao apostar na distribuição de dinheiro e benesses para viabilizar sua reeleição, ainda mais considerando que o atual momento é o de pior popularidade do presidente desde o início do mandato, parece ter convencido Bolsonaro.

Inclusive, já se esboçam estratégias de defesa para as principais críticas da atual gestão: vale mais por a culpa da inflação deste ano no “fica em casa“, assim como do crescimento do ano que vem nos juros altos, do que  permanecer nesse meio do caminho – entre um fiscal no limite, um auxílio literalmente medíocre e um crescimento tímido – cujos possíveis votos até colocariam Bolsonaro no segundo turno, mas o resultado final seria uma vitória esmagadora de Lula, seu principal adversário.

Vamos lembrar, nesses quase três anos de governo, das pequenas “broncas” de Bolsonaro em Guedes e sua equipe, mas também das quedas de braço entre ministério da Economia e outros ministérios e os desfechos quase sempre favoráveis ao presidente. De certa forma, o discurso sempre se pautou em responsabilidade fiscal e liberalismo econômico desde que alguns interesses políticos fossem atendidos. Talvez, o maior exemplo tenha sido um dos primeiros: a ala militar foi completamente retirada da reforma da Previdência, considerada o maior marco fiscal deste mandato.

A decisão de líderes do Congresso e nomes de peso da Esplanada (Lira, Nogueira, Roma) sobre os R$ 400 de auxílio traduziu a prioridade do governo nesse momento. Quando colocado sob prova, o teto de gastos foi flexibilizado para abarcar interesses do Planalto. E por mais que o discurso do ministro da Economia tente transmitir uma mensagem de exceção e equilíbrio entre visões distintas sobre o imbróglio, a realidade é que o desfecho fragiliza as regras fiscais do País e abre precedentes para ajustes posteriores, feitos à vontade de governantes.

Nesse contexto, Bolsonaro preferiu a aposta mais arriscada para virar o jogo em 22. Vai fazer o que for necessário para reunir votos e pelo chegar ao segundo turno: Vale Gás, Auxílio Brasil, emendas parlamentares (de relator e de bancadas estaduais), reajustes para o funcionalismo público (que devem chegar, ainda), auxílio diesel para caminhoneiros e o que mais couber nesses cerca de R$ 90 bilhões que foram abertos no teto de gastos por meio de manobras fiscais pouquíssimo ortodoxas.

Isso não garante que o presidente será reeleito, mas pelo menos dá a ele a oportunidade de competir com seu adversário, que muito provavelmente será o petista. Como dizem por aí, o segundo turno é praticamente outra eleição. E o fiscal? O fiscal fica para depois, caso Bolsonaro seja eleito. Se não for, não é mais problema da atual gestão.

O mercado brasileiro reagiu de maneira bastante negativa aos acontecimentos recentes porque não acredita na narrativa adotada por Guedes e o resto do governo para justificar essa flagrante manobra no teto de gastos. Os seguidores mais fiéis da cartilha liberal criticam, com razão, os recentes episódios. No Brasil, não há espaço para derrapar na política fiscal.

Com base em todo o raciocínio acima, flexibiliza-se o que é necessário para se alcançar o objetivo maior. No bonde, todos, sem exceção, estão alinhados: Guedes, Centrão, Bolsonaro e companhia. Ninguém, nem o Brasil, na lama; e muito trabalho sujo a fazer.

Na hora de comunicar as decisões, lembrar das palavras-chave: “responsabilidade fiscal”, “retomada em V”, “manutenção do teto” e outros chavões que podem convencer aqueles mais simpáticos a Bolsonaro. Depois de muito mau humor nos mercados, porém, podia-se sentir nos cafés e salas de reuniões da Faria Lima o seguinte raciocínio: melhor burlar as regras vigentes do que ver Lula eleito novamente.

Leia a minha última coluna para ficar por dentro do que movimenta Brasília: CPI da Covid: o começo do fim | Política sem Aspas.

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