A Bolsa de Valores de São Paulo voltou do feriado estadual desta terça-feira supresa. A reforma da Previdência, aprovada apenas uma semana antes na Comissão Especial, poderia passar no primeiro turno da Câmara já na quarta (10). No fim daquele dia, da Câmara veio a definição: 379 votos a favor, 131 contra e somente 3 abstenções.
Tempo diferente
Como eu já disse: a política tem seu próprio tempo. Por muitas vezes, a tramitação de matérias é imprevisível, sendo condicionada a diversos fatores internos ao jogo político. Isso explica porque existem tantas surpresas quando as expectativas estão baixas, e tantas outras decepções em função de altas expectativas.
Um bom exemplo é o cronograma estabelecido por Maia. O presidente da Câmara pretendia votar (e votou) o texto-base na quarta pela noite. Assim, votar os destaques de bancada (modificações no texto, apresentadas em grupo) madrugada adentro. Assim que o processo dos destaques começou, porém, ele suspendeu a sessão. O motivo: o quórum rapidamente baixou e os deputados não tinham alinhamento suficiente para evitar eventuais mudanças que desidratariam a proposta.
Nesse contexto, a sessão foi remarcada para quinta-feira (11) às 9h. Novamente, o início não se concretizou – negociações acerca dos destaques tomaram o dia todo e a sessão somente foi aberta às 17h45. Ainda assim, não foi possível concluir a votação no dia e os destaques só foram analisados por completo na sexta. O atraso comprometeu a votação da reforma em dois turnos antes do recesso. Evidentemente, esse atraso foi suficiente para que otimismo fabricado quarta-feira fosse destruído em menos de 24h.
Previsões mais simples
O tempo de Brasília é sui generis. A tarefa de traçar projeções de matérias usando datas é arriscada. Muito mais fácil é, por exemplo, apontar o placar de uma votação ou, minimamente, as chances de aprovação ou reprovação de determinada matéria.
Por isso, apontei desde o começo do ano que a reforma previdenciária iria passar, sem sombra de dúvidas. Vai passar no Senado também. A questão de “quando” é mais abstrata, apesar haver algumas métricas genéricas de avaliação.
Vejamos o gráfico que montei em meados de abril, quando a reforma da Previdência tinha sido recém-aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Muitos partidos naturalmente não haviam fechado questão sobre o tema, mas já existia uma clara necessidade de o governo angariar apoio do Centrão.
Com exceção do PT, do PSOL, do PCdoB e da Rede (com uma deputada somente), a maioria dos deputados de todos os outros partidos eram favoráveis à reforma – ainda que a com algumas ressalvas ao texto original – ou mantinham posição indefinida.
Em números: no cenário acima, 240 deputados eram favoráveis (somando aqueles totalmente a favor e os que pregavam mudanças para apoiar o projeto), 131 diziam-se indefinidos e 142 eram contra a reforma.
A votação da reforma
Na votação de quarta-feira, foram contabilizados 379 votos a favor, 131 contra e 3 abstenções. Incrivelmente, o número de contrários caiu – muito por conta do PSD e PDT, que não conseguiram unidade no voto de seus deputados.
Que o placar foi um sucesso total, não há dúvidas. Nem o governo contava com uma projeção tão otimista. O que explica o sucesso? Acredito que três fatores foram determinantes para o resultado: a maior aceitação da reforma pela população, o papel de Rodrigo Maia e Rogério Marinho na pauta e o alinhamento ideológico do Congresso.
Ventos soprando a favor
Desde os esforços de Temer para reformar a Previdência Social até hoje, muito se desmistificou sobre o tema. Ao mesmo tempo, houve um maior entendimento – uma “maturação” – sobre a necessidade da reforma para o país. Nesse ínterim, os índices de reprovação da reforma por parte da população caíram significativamente. Enquanto as pesquisas de 2017 apontavam para cerca de 70% da população contrária à reforma, o último Datafolha (desta semana) mostra que praticamente 50% apoiam e “somente” 44% rejeitam a Nova Previdência. Há de se considerar que o tema é, na essência, impopular.
Em segundo lugar, a composição do Congresso em 2019 denotou um aumento de partidos historicamente identificados com a centro-direita e mais alinhados ao liberalismo econômico. Soma-se a isso o fracasso das políticas econômicas heterodoxas do governo Dilma II e temos um ambiente muito favorável às pautas ortodoxas – que envolvem ajustes liberais na economia.
Por fim, os brilhantes trabalhos desenvolvidos pelo presidente Rodrigo Maia e o secretário da Previdência, Rogério Marinho, foram decisivos para que a reforma fosse entregue nos atuais moldes. Maia costurou os apoios necessários para passar a reforma, enquanto que Marinho tomou os cuidados para que ela não fosse muito desidratada. Claro que outros atores também foram importantes, mas são sintomáticos os aplausos e inúmeros elogios aos dois no dia em que a reforma passou em primeiro turno na Câmara.
E depois da reforma?
Faz sentido estar otimista com o futuro. Ainda que existam alguns obstáculos pelo caminho, corrigimos o rumo errante da economia brasileira e temos muitos desafios que, se superados, podem desaguar em um novo ciclo de crescimento. Existe uma avenida para o setor privado tomar a frente do protagonismo de investimentos no Brasil. Logo, aprovaremos a reforma da Previdência e já teremos pautas. É o caso da reforma tributária, privatizações, MP da Liberdade Econômica, entre outras. Nessa janela de oportunidade, será preciso matar um leão por dia.